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Detalhe da edição americana de 50 anos de "O Poder e a Glória"
Detalhe da edição americana de 50 anos do livro “O Poder e a Glória”| Foto: Reprodução internet

Graham Greene (1904-1991) foi um escritor e jornalista inglês, conhecido também por ser católico. Neste aspecto, ele chegou a ser pareado ao lado dos franceses George Bernanos (1888-1948) e François Mauriac (1885-1970). Porém, Greene teve uma relação ambígua com sua fé, declarando-se por vezes como um "católico agnóstico" ou simplesmente negando a alcunha de católico. Muito desse espírito está em sua obra mais famosa, O Poder e a Glória (1961, Biblioteca Azul).

O livro foi bem recebido já à época, tendo sido traduzido em português pelo poeta Mario Quintana, e hoje continua sendo lido. Trata-se da história de um padre que é perseguido por um tenente, em um México depois da Guerra Cristera (1926-1929), que abalou o país no começo do século passado. Após as leis anticlericais da Constituição Mexicana de 1917, um sangrento conflito opôs o Estado e a Igreja. Ao final, houve uma espécie de empate, porém alguns estados, como Tabasco, onde o livro é ambientado, continuaram com a perseguição. 

Para retratar essa tensão entre o poder e a glória, ou entre a razão e fé, Greene cria um padre que, sem nome, sofre com os pesos de seus pecados, dentre eles alguns graves como a quebra do celibato. Ele tem uma filha, com quem se encontra durante o livro. Além disso, é alcoólatra – o uísque é sua tentação diária.

Um México nada lindo

O México recebe uma descrição bastante desfavorável de Greene: uma espécie de vila povoada por doentes, famélicos e abandonados pelo mundo. É quase um “não-lugar” em que o vício une seus habitantes. O autor desce ainda mais fundo ao retratar uma prisão que se assemelha a outro círculo do inferno. 

A primeira parte do livro é irregular e a maioria dos leitores encontrará dificuldades para avançar. O estilo de Greene é truncado, as metáforas não são as melhores, mas o esforço é recompensado na segunda metade, que parece até vir de outras mãos, tamanho é o domínio da escrita, com diálogos estilizados, retratando cenas bastante ricas. Neste percurso, o leitor familiarizado com a doutrina católica vai observar claras alegorias ao Evangelho. O desgraçado "padre bêbado" é também uma representação do próprio Cristo. Ele anda sobre uma mula, está rodeado de Judas e Caifás, além de perseguidores que hesitam na sua perseguição, a exemplo de São Paulo.

Apesar de seus pecados, e de um julgamento excessivo sobre si mesmo, o padre continua sua caminhada, seguindo a realizar Missas e ouvir confissões. Richard Greene (sem parentesco), biógrafo do autor, afirma que o romance é uma “novela-ideia” de que um padre pode administrar um sacramento, a despeito de sua condição moral.

O escritor peruano e conservador Mario Vargas Llosa dedicou a O Poder e a Glória um capítulo em A Verdade das Mentiras (1990, editora ARX), livro no qual analisa grandes obras literárias do século XX. Segundo ele, trata-se de um livro para incrédulos, pois diferentemente de obras de outros escritores tradicionalmente católicos, O Poder e a Glória não se destina aos já convertidos.

O tenente é uma clara representação do diabo, do filho que se revolta, na certeza maligna de estar fazendo o bem. Já o padre, como todo pecador, está sempre em dúvida e é consciente da própria pequenez, onde, paradoxalmente, reside toda a sua grandeza.

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