O comediante de 50 anos Dave Chappelle está de volta com o especial de stand-up “Sonhador”| Foto: Divulgação Netflix
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Ao assistir a Encerramento, especial lançado pela Netflix em 2021, o espectador ficava com a impressão de que Dave Chappelle daria um tempo do stand-up. Suas palavras indicavam que ele não estava feliz com a relação beligerante estabelecida com uma parte da sociedade – em especial, o grupo LGBT – que não estava achando graça de suas piadas. Mas é duro tirar Chappelle dos palcos. Ele seguiu fazendo shows e sua nova produção para a Netflix, intitulada Sonhador, é um comentário sobre tudo que aconteceu no seu entorno desde então.

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Pode parecer menos impactante do que Encerramento, pois tem cara de continuação. E, para quem não acompanha o humorista, talvez tenha tanta graça quanto iniciar uma série de comédia no meio da terceira temporada, já que muitos assuntos abordados em Sonhador são retornos a temas espinhosos e novas variações das mesmas abordagens. Mas, para quem já está imerso no universo de Chappelle, é puro deleite. Muito confortável, muito engraçado e muito corajoso. Do outro lado da telinha, os que entendem que a liberdade de expressão está cada vez mais ameaçada sentem vontade de agradecer toda vez que o astro de 50 anos desafia o senso comum e manda um pensamento “todo errado”, daquele jeito que só os comediantes estão autorizados a fazer. Ou deveriam estar.

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A premissa do novo show é que ele não vai mais pegar no pé de pessoas trans. Mas ele pega, umas três ou quatro vezes, para mostrar que não se curvou (após o lançamento de Encerramento, a minoria fez muito barulho contra o especial, mas a Netflix não adotou qualquer forma de censura), e guarda para o fim uns bons chistes com o rapper flamboyant Lil Nas X. Pelo estilo de Chappelle, dá para prever que o jovem do hit Old Town Road voltará a ser alvo em futuros especiais pela postura soberba e apelativa, que constrange parte da comunidade negra.

Segurança de sapato social

Mas agora ele afirma que vai fazer piada com deficientes físicos, e solta umas boas histórias envolvendo um ex-parlamentar republicano cadeirante. Em pouco tempo, ele já está em outro tema, usando até mesmo os olhinhos puxados de sua esposa asiática para arrancar risadas da plateia. Vale dizer que Chappelle escolheu Washington DC para gravar esse especial. Foi na capital americana que ele cresceu e deu os primeiros passos como humorista, o que traz um sabor nostálgico e um sentimento de vitória para toda a situação.

São dois os principais causos da noite e um se passa num show que tinha potencial para tirar o jovem Chappelle da miséria, mas cuja captação de áudio foi prejudicada pelo som alto de uma boate controlada pela máfia russa. O outro causo é o do ataque sofrido por ele num palco de Los Angeles, em 2022, pouco após Will Smith estapear Chris Rock na cerimônia do Oscar. Chappelle usa essas situações para investigar o que se passa na alma do homem negro, além de dar e, ao mesmo tempo, tirar a razão de todos. Mas, no fundo, ele só queria que seu segurança Travis não usasse sapato social e chegasse mais rápido na cena do ataque para dar uma sova bem dada no agressor que invadiu o palco.

Todos esses papos e delírios saem de sua boca com leveza e são recebidos pela audiência presente com gargalhadas enlouquecidas. Por isso mesmo é estranho pegar um jornal como a Folha de São Paulo e encontrar quatro artigos detonando Sonhador, um deles chamando Chappelle e, por tabela, seu público de sociopata e criminoso. Saiu também um artigo supostamente positivo “para balancear”, mas trata-se de uma pensata sociológica que não chega a lugar algum. Nessas horas, fica bem nítido que uma parte da humanidade já se esqueceu qual é a função de um especial de humor e o que se deve fazer durante aquela hora: rir. Dave Chappelle segue entregando a parte dele e espera-se que o cidadão do lado de cá não pare de prestigiar e se divertir com um cabra tão engraçado. Criminoso é problematizar piada.