Há duas semanas, aqui neste mesmo espaço dominical, o grande destaque foi o diretor americano Sidney Lumet e sua obra-prima 12 Homens e uma Sentença, reconhecidamente um dos melhores e mais intensos dramas de tribunal na história do cinema e um filme que moldou a carreira do cineasta. Lumet, no entanto, levaria mais de duas décadas para voltar ao mesmo universo jurídico, agora com O Veredito, disponível no streaming em plataformas como Star+ e Looke.
Ao contrário de 12 Homens e uma Sentença, cuja trama se dá inteiramente num único ambiente, O Veredito é bastante amplo nas locações e no desenvolvimento das muitas camadas que envolvem uma dezena de personagens e suas próprias complexidades. O principal entre eles é o advogado Frank Galvin, interpretado pelo excepcional Paul Newman. Galvin não é, nem de longe, alguém em quem se possa confiar. Ao menos do ponto de vista profissional: é um alcoólatra inveterado, que passa seus dias perambulando em bares, não se relaciona bem com as pessoas e praticamente não acredita mais em sua capacidade de advogar. Alijado pelos seus pares, Galvin é visto como uma espécie de “advogado de porta de cadeia”; a diferença é que ele tenta arrumar clientes em funerais.
Inspirado no romance homônimo de Barry Reed, o roteiro foi escrito pelo habilidoso dramaturgo David Mamet, responsável por dar forma a um personagem à beira do abismo que, de forma inesperada, depara-se com aquela que poder ser sua oportunidade de ouro. Frank Galvin é chamado para assumir o caso de uma mulher grávida que deu entrada num hospital para dar à luz. Durante o parto, no entanto, uma intercorrência leva a paciente a entrar em coma profundo. Há elementos sólidos que até poderiam comprovar a culpabilidade do hospital e dos médicos participantes do parto. Ocorre que o hospital é administrado pela igreja, tem poder e dinheiro, além de uma banca de advogados muito bem pagos e preparados. Já a família da paciente e vítima, por seu lado, carece de quaisquer recursos e por isso mesmo prefere não levar o caso a julgamento.
Mudança de chave
Para Galvin, trata-se assim de um caso tranquilo e cuja solução reside simplesmente num acordo extrajudicial, ou seja: dinheiro fácil. O que de fato é proposto pelos advogados do hospital, que oferecem 200 mil dólares para que Galvin dê o caso como encerrado. Eis que, de repente, acompanhamos a transformação do personagem. Após visitar a paciente, deitada em estado vegetativo numa cama rodeada por aparelhos, o advogado tem uma súbita crise de consciência e decide rejeitar o acordo financeiro. Inicialmente, pode parecer mesmo uma questão de ganância, uma vez que ganhar um processo como esse renderia alguns milhões. Mas, aos poucos, o que acompanhamos é um advogado intrépido, indulgente, interessado somente em seguir as leis e fazer justiça.
Para tanto, e reconhecendo sua falta de habilidade, ele vai contar com a ajuda de um velho professor e amigo, Mickey (Jack Waden), além da namorada Laura (Charlotte Rampling). Juntos, eles terão de enfrentar a autoridade moral da igreja e a astúcia dos defensores comandados pelo ardiloso Ed Concannon (James Mason), além do maquiavélico e desconfiado juiz Hoyle (Milo O’Shea), que jamais esconde seu desprezo pela atuação de Galvin.
Contando com uma ótima história e um elenco de primeira grandeza, o diretor Lumet faz aqui o que sempre fez de melhor: posiciona a câmera nos melhores ângulos – à vezes até no chão, evidenciando a amplitude dramática – e permite a total imersão do público não somente nos dilemas e angústias de seus personagens, mas sobretudo na capacidade humana de encontrar o caminho da correção e de fazer o bem pelo próximo.
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