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Sicário, termo latino que significa “o homem da adaga”, é uma das muitas palavras que servem de sinônimo para mercenário. Ela é associada a um tipo de homem bastante metódico e sempre em busca de um serviço. Trata-se de uma boa definição para o roteirista Taylor Sheridan, de 54 anos, a mente por trás das séries Yellowstone, 1883, 1923, O Dono de Kingstown, Tulsa King e Operação: Lioness, que tiveram temporadas lançadas entre 2022 e 2023. Não é qualquer um que consegue produzir tanto material de qualidade em um curto espaço de tempo. Justamente por isso, o americano tem se destacado no mundo do audiovisual, reconhecimento esse que começou com o lançamento do filme Sicario: Terra de Ninguém (2015), disponível em plataformas como Netflix, HBO Max e Mubi.
Essa película, com direção do talentoso Denis Villeneuve (A Chegada, Blade Runner 2049, Duna), acompanha uma agente do FBI que participa de uma força-tarefa do governo americano para desmantelar um cartel de drogas mexicano. A premissa tinha tudo para render mais um filme de ação comum com clichês sobre a relação EUA-México na luta contra drogas, com tiroteios incansáveis e personagens unidimensionais. Mas é aqui que entra a maestria de Sheridan que, antes de escrever o roteiro, só havia trabalhado como ator e em papéis secundários nas séries Filhos da Anarquia e Veronica Mars: A Jovem Espiã. Após completar 40 anos, ele decidiu virar roteirista 100% do tempo e seu primeiro filme foi Sicario.
Quem assistiu a Yellowstone deve estar familiarizado, porém foi nessa estreia como autor de longas que ele criou e aperfeiçoou seu estilo de escrita, sempre envolvendo personagens muito bem elaborados e momentos de clímax. O filme chegou a ter uma continuação em 2018 (Sicario: Dia do Soldado) e, entre os dois, Sheridan conquistou uma indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Original por A Qualquer Custo (2016).
Em Sicario, Matt e Kate, interpretados por Josh Brolin e Emily Blunt, são o melhor exemplo do esmero do roteirista. Nenhum deles é necessariamente bom ou mau. Matt não quer encerrar a guerra com o cartel, mas sim controlá-la. Já Kate tenta fazer de tudo para acabar com o conflito sem necessariamente seguir as leis. Os atores ajudam a dar o tom, porém o trabalho pesado vem da caneta habilidosa de Sheridan. Benicio Del Toro é a cereja no bolo. A vingança buscada pelo personagem Alejandro escancara que esse não é um roteiro qualquer e rende uma das cenas mais impactantes da produção.
Tensões escalam até explodir
Outra característica que corrobora para Sicario ser considerado um dos grandes longas-metragens da década passada é sua calma em desenvolver os momentos de tensão. Em uma guerra como essa, que envolve uma fronteira entre países, diversos atos extremos são desencadeados por ações repetidas de violência. Todos acreditam que os assassinatos encerrariam a batalha, mas a situação vai escalando cada vez mais, até a explosão final.
“Toda a violência que você vê foi baseada em eventos reais, tirados de contexto e ficcionalizados, mas eu não inventei todos os corpos em pontes e corpos em paredes”, disse Sheridan, em uma entrevista à publicação Deadline. “As consequências das ações são bastante claras, afinal aquele é um lugar com poucas pessoas, e um ambiente amplo e cru.”
Uma cena que resume bem a qualidade do filme e o que Sheridan tinha em mente é a transferência feita pelo FBI para uma prisão em Ciudad Juárez. Em seis minutos, pouca ou quase nenhuma música é tocada ao fundo. O comboio passa por regiões desérticas, com a câmera mostrando Kate e outros personagens com toda a preocupação de que aquilo poderia dar errado. Quando chegam na área urbana, os nervos ficam ainda mais à flor da pele, revelando os citados corpos pendurados em pontes e cartazes de pessoas desaparecidas. Mas tudo corre bem.
Nenhum disparo ou emboscada precisam acontecer para tornar aquele momento interessante ao espectador, somente a perspicácia do duo Villeneuve e Sheridan. Não à toa, o roteirista foi indicado por seu trabalho em Sicario ao prêmio da WGA (Writers Guild of America) de melhor roteiro. Esse momento foi crucial para abrir portas, afinal a WGA reúne a nata dos escritores de Hollywood, que devem ter pesadelos com sua alta produtividade para criar boas histórias, como as acompanhadas em Yellowstone.