Um dos humoristas mais sem amarras e – por isso mesmo – mais polêmicos dos Estados Unidos, Bill Burr nunca tinha dirigido um filme. É natural, portanto, que seu enorme fã-clube tenha ficado em polvorosa quando a Netflix soltou Tiozões no sábado passado. Burr não apenas dirige como protagoniza e co-assina o roteiro dessa comédia que zomba dos tempos modernos pelo olhar de um cinquentão que só foi ter o primeiro filho aos 46 anos e, cinco anos depois, está prestes a ter o segundo. Mas a história, parcialmente inspirada na vida do artista, não apenas caçoa dos modos e manias atuais, como ensina quem passou dos 40 a segurar um pouco a onda (sem abandonar a indignação) para ter uma vida familiar harmoniosa.
Além de Burr, que vive Jack Kelly, os outros tiozões da empreitada são encarnados pelos atores Bobby Cannavale e Bokeem Woodbine, que interpretam, respectivamente, Connor Brody e Mike Richards. O trio criou uma marca de vestuário de sucesso, mas começa a enfrentar problemas ao vender o negócio para uma turma de millennials, num acordo que os mantém como funcionários seniores da empresa. Os choques são constantes com o novo mandachuva, o insuportável Aspen Bell, que já chega anunciando a demissão de quem tem mais de 35 anos, numa clara alusão ao etarismo, um preconceito que não costuma incomodar os patrulheiros mirins.
Suas vidas pessoais não estão em melhores condições. Connor Brody é um tiozão que não suporta a ideia de estar envelhecendo e perdendo seu sex appeal, que decora as gírias urbanas do momento para se enturmar com a rapaziada, e que sofre por não conseguir peitar a própria mulher. Mike Richards parece estar numa situação melhor, com os filhos já criados, mas surta ao descobrir que sua jovem namorada está grávida, algo que a vasectomia deveria ter evitado. E Jack Kelly passa por um apuro ainda mais grave. Ele ofende a diretora da escolinha do filho por conta de um atraso de dois minutos e passa o filme inteiro tentando remediar a situação pressionado por sua esposa, que teme que a criança não consiga boas recomendações para seguir com sua jornada educacional.
O que o entorno de Jack Kelly almeja é que ele procure ajuda profissional para controlar seus ânimos e não mais fique prestes a explodir o tempo todo. Só que o personagem de Bill Burr tem razão ao se revoltar com regras escolares estúpidas, com usuários de patinetes que não respeitam as leis de trânsito, com enxeridos que dão pitacos na criação de seu guri de 5 anos e com a impossibilidade de contar uma piada mais pesada sem ser imediatamente rotulado como misógino ou homofóbico. São inúmeras as situações em Tiozões em que o espectador da mesma faixa etária se identifica e até se empolga com Jack Kelly.
Mas, se ficasse só nisso, era melhor Bill Burr ter escrito mais um de seus bem sucedidos especiais de stand-up comedy, não um longa de ficção. Numa aventura em que os três amigos vão parar num cassino de quinta categoria, pulam para uma boate de strip-tease e terminam voltando estropiados para casa com um motorista de aplicativo setentão (papel do grande Bruce Dern, de Nebraska), Jack Kelly encontra a iluminação para balancear seus instintos e assim preservar o matrimônio e não correr o risco de perder um segundo ao lado dos filhos. É essa mensagem de equilíbrio – nem fantoche na mão da sociedade moderna, nem ataque de fúria a cada frustração – que faz Tiozões valer a pena.