Cyril Gueï faz o fotógrafo que acompanha a jornalista vivida por Irène Jacob em “Encontro com o Ditador”| Foto: Divulgação Pandora
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Em 1980, a banda californiana Dead Kennedys lançou um hino punk zombando de universitários riquinhos que, com um ou dois anos de estudos, achavam que já conheciam tudo sobre as mazelas do mundo. “O que você precisa, meu filho, é de um feriado no Camboja!”, recomendava o cantor Jello Biafra no refrão de Holiday in Cambodia, além de nominar em outra parte da letra o tirano responsável por dizimar cerca de um quarto da população daquele país: Pol Pot.

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Esporadicamente, o mundo recebe novos manifestos artísticos como esse tratando do período tenebroso que o Camboja viveu sob o regime do Khmer Vermelho, que redundou numa tragédia humanitária intensificada entre 1975 e 1979. No ano passado, o tema rendeu mais um produto cultural: o filme francês Encontro com o Ditador, atualmente em cartaz nos cinemas brasileiros. Aplaudida no Festival de Cannes, a obra leva a assinatura do diretor cambojano Rithy Panh, que com trabalhos anteriores sobre o seu país chegou a ser premiado no mesmo evento, no Festival de Berlim e até conquistou uma indicação ao Oscar de Filme Internacional em 2014, com A Imagem que Falta. Ele tinha 11 anos quando o Khmer Vermelho tomou o poder. Seus pais foram mandados para campos de trabalho forçado e morreram em decorrência disso.

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Encontro com o Ditador é livremente inspirado no livro When The War Was Over (1986), da jornalista americana Elizabeth Becker. Justamente por isso, a protagonista da película é uma repórter (francesa), vivida pela atriz Irène Jacob, que chega ao Camboja em 1978 atrás de uma prometida entrevista com Pol Pot. Desembarcam com ela um intelectual socialista simpático ao regime (Grégoire Colin) e um fotógrafo experiente em reportar guerras (Cyril Gueï). Trazendo para o tempo presente, a missão seria semelhante a conseguir uma autorização para entrevistar Kim Jong Un na Coreia do Norte.

Maquetes e bonecos

Enquanto aguarda a sinalização para o papo com o ditador, o trio circula pelo país escoltado por próceres do governo, que pintam uma ideia de nação igualitária, algo sem precedentes no mundo moderno. O intelectual comunista fica entusiasmado com o que vê, enquanto a jornalista e o fotógrafo farejam rapidamente que a situação ali é sinistra. Tentam entrevistar populares, mas os depoimentos são forjados pelo medo ou ensaiados para despistar os profissionais da imprensa. Quando o fotógrafo burla o esquema para ver o Camboja com seus próprios olhos e lentes, ele nunca mais retorna aos aposentos reservados aos convidados (que são trancados por fora).

Um aspecto curioso de Encontro com o Ditador reside na forma como o filme retrata as cenas que seriam as mais fortes. Talvez pelo baixo orçamento, talvez para não exibir imagens chocantes, o cineasta Rithy Panh escolheu usar maquetes e bonecos de barro para ilustrar as passagens que fazem alusão ao genocídio cambojano. O espectador ouve gritos de dor e desespero, mas vê bonequinhos na tela, quase que numa interpretação lúdica dos horrores do período.

Com um membro a menos na equipe, os franceses ficam ainda mais inquietos para encontrar Pol Pot, na tola expectativa de que o governante possa interceder e revelar o paradeiro do fotógrafo. Como na época os líderes locais botavam a culpa de tudo de ruim que acontecia lá dentro no Vietnã, claro que essa também é a desculpa usada para o caso: “Ele foi capturado pelo exército vietnamita”. Mais fatos revoltantes acontecem até a investida jornalística chegar ao fim, apenas confirmando a desgraça que foi a era do Khmer Vermelho no poder daquele país. Se você quisesse dar uma lição em um mimadinho, como cantou o vocalista do Dead Kennedys em seu hit, era para o Camboja que você o mandava. Com o detalhe de que ele teria grandes chances de nunca mais voltar para casa.

  • Encontro com o Ditador
  • 2024
  • 113 minutos
  • Indicado para maiores de 14 anos
  • Em cartaz nos cinemas
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