O compositor e escritor Aldir Blanc morreu, aos 73 anos, na madrugada desta segunda-feira, 4, no Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel, Zona Norte do Rio. Ele estava com Covid-19 e seu quadro de saúde era considerado grave.
O artista foi internado no 10 de abril, com sintomas de infecção urinária e pneumonia, e uma de suas filhas, Isabel, chegou a pedir doações para possibilitar a transferência e tratamento do artista, então no CTI do CER do Leblon.
As primeiras informações descartavam a possibilidade, mas novos exames mostraram suspeita de coronavírus e o compositor foi submetido ao teste específico de Covid-19, que se revelou positivo.
Aldir Blanc deixa uma das obras poéticas mais robustas à música brasileira, sobretudo com suas composições a partir da parceria com João Bosco, nos anos 1960, para servirem Elis Regina de material fresco. Vieram Bala com Bala, O Mestre-sala dos Mares, Caça à Raposa e O Bêbado e a Equilibrista, de 1979, assumida pelo País como uma espécie de hino contra a ditadura militar para celebrar a volta dos exilados políticos ao Brasil com a garantia de que não seriam presos pelos militares. Ela se tornaria sua obra mais conhecida, com versos que ficariam maiores que seu próprio nome, como "A lua, tal qual a dona de um bordel / Pedia a cada estrela fria um brilho de aluguel".
Era uma pequena mostra de como pensava Aldir, juntando gente mundana com a lua das realezas, dando vida à estrela e criando expressões como "um brilho de aluguel."
Aldir ia fundo quando decidia descer aos porões da alma. Quando escreveu Fantasia, fez isso aqui: "Custei a compreender que fantasia / É um troço que o cara tira no carnaval / E usa nos outros dias por toda a vida / Dizendo: ‘Olá! Como vai?’ E coisas assim / O nó da gravata apertando o pescoço / Olhando o fundo do poço e rindo de mim."
Sim, incomodava, porque nós também poderíamos ser o cara da gravata. Sua invasão de verdades inconvenientes fazia com que o olhássemos torto a cada vez que entrava sem bater, colocando um espelho diante de cada um de nós e se traficando em canções de parceiros como Cristóvão Bastos, que fez com ele Resposta ao Tempo para Nana Caymmi cantar e, de novo, nos invadir de raiva.
"Batidas na porta da frente / É o tempo / Eu bebo um pouquinho / Pra ter argumento / Mas fico sem jeito / Calado, ele ri / Ele zomba / Do quanto eu chorei / Porque sabe passar / E eu não sei." Mais à frente, o jogo vira: "Respondo que ele aprisiona / Eu liberto / Que ele adormece as paixões / E eu desperto / E o tempo se rói com inveja de mim / Me vigia querendo aprender como eu morro de amor pra tentar reviver / No fundo é uma eterna criança / que não soube amadurecer / Eu posso / Ele não vai poder me esquecer."
Aldir era Aldir Blanc Mendes, um carioca nascido a 2 de setembro de 1946. Um médico psiquiatra que deixou de clinicar em 1973 para se dedicar apenas à composição. Antes, já vinha tateando o meio artístico criando A noite, a Maré e o Amor em 1968, com Sílvio da Silva Júnior, para o 3º Festival Internacional da Canção da TV Globo. Um ano depois, classificou outras três para outro festival, o Universitário da Música Popular Brasileira. De Esquina em Esquina (com César Costa Filho) foi defendida por Clara Nunes; Nada Sei de Eterno (feita com Sílvio da Silva) teve a interpretação de Taiguara; e Mirante (com César Costa Filho) veio na voz de Maria Creuza. Depois de mais festivais, buscou novos parceiros, como o violonista Guinga, com quem fez Catavento e Girassol, Nítido e Obscuro e Baião de Lacan, entre vários outras.
As últimas duas décadas foram de pouco convívio entre Aldir Blanc e o mundo que não lhe interessava. Entrevistá-lo se tornava uma missão improvável. Recluso, era como se Aldir estivesse farto de oferecer flores ao deserto, lembrando um personagem do cineasta Pedro Almodóvar. Ao apontar para um poeta de braços cruzados, um homem diz ao outro: "Veja, aquele é um dos maiores poetas deste século." "É mesmo, e eu posso falar com ele?" "Não, ele não escreve nem fala mais. De uns tempos para cá acha que o mundo não merece mais as suas palavras."
Parceria de 50 anos
A parceria de Aldir Blanc e João Bosco começou em 1970. Da primeira leva de músicas da dupla saíram Angra, Agnus Sei e Bala com Bala. Em meados dos anos 1980, eles se distanciaram. O reencontro ocorreu em 2001. A última parceria da dupla gravada por João entrou no álbum Mano Que Zuera (2017). A dupla compôs com outros parceiros. Mas Aldir sabia que o que ele construiu com Bosco era especial. "Fomos amigos novos e antigos. Mas sobretudo eternos", escreveu Bosco ontem.
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