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Disponível na Netflix desde o último dia 4, Indignação Seletiva é o especial de comédia que o mundo esperava de Chris Rock desde a agressão sofrida por ele na cerimônia do Oscar de 2022. O humorista só entra no tema faltando nove minutos para o fim do espetáculo, mas o que se vê é de lavar a alma de quem acredita que o limite do humor é a ausência de graça. Expressando muita verdade, Rock conta o quanto admirava Will Smith, o autor do fatídico tapa no Oscar, e busca razões para o ocorrido para além de uma mera piada envolvendo alopecia. E aí ele faz a festa comentando a situação conjugal do oponente, diz que sua raiva foi tanta que passou um tempão revendo um filme em que Smith vive um escravo só para vê-lo apanhar do senhorio, e conclui afirmando que não revidou com outro tabefe porque seus pais o educaram. É a representação perfeita do dito “a vingança é um prato que se come frio”.
Mais uma vez: isso só vem à tona no final do especial. É a cereja no bolo na hora cheia que dura Indignação Seletiva. Até lá, Rock passeia por outros temas com a segurança de um comediante de 58 anos que já tem seu nome cravado na história da indústria do entretenimento. Descoberto nos anos 80 por Eddie Murphy, ele passou pelo elenco do lendário Saturday Night Live na década seguinte, criou a série de enorme sucesso (especialmente no Brasil) Todo Mundo Odeia o Chris, inspirada em suas memórias, e apresentou o Oscar em duas oportunidades. Esses são alguns feitos que fazem Rock ser admirado por companheiros ilustres de profissão, como Dave Chappelle e Kevin Hart.
Uma característica que coloca Rock numa prateleira diferente de alguns de seus pares é que ele não mantém uma postura cool. Sua entrega é exagerada, com os olhos esbugalhados e um tom de voz que parece um constante berro. Tais características poderiam indicar que seu stand-up não é para qualquer um; por outro lado, com isso ele consegue prender a atenção de espectadores menos sofisticados, o que amplia seu alcance. A forma clara e pausada como constrói suas piadas também é um artifício para não alienar a massa. E ainda que fale muito do universo do negro americano, caçoando de inúmeras personalidades de destaque – de jogadores da NBA a rappers, de O.J. Simpson a Beyoncé, de Meghan Markle a Michael Jackson –, seus chistes funcionam com todo mundo interessado em rir.
Apesar de já ter atacado a cultura do cancelamento com veemência num especial anterior, agora Rock vai além e dedica todo o terço inicial a detonar o vitimismo e a postura woke que tem sido uma barreira inclusive para que comediantes como ele continuem na ativa (Chappelle diz estar dando um tempo até o cenário melhorar). Na sequência, muda a chave e afirma ser a favor do aborto, pelo menos até o período em que o bebê traga seu primeiro boletim escolar. Esse tema abre alas para um pau no feminismo e gozação com pessoas trans, sempre de maneira impiedosa, “sem fazer prisioneiros”, como dizem os americanos. Para quem é fã de humor, não há como pedir algo melhor.