Já se passaram dias desde a “Batalha dos Bastardos”. Agora é hora de encher um copo com “água de uva” refrescante – ou talvez uma jarra de leite azedo de cabra – para digerir o que foi a cena de batalha mais sangrenta, mais intensa e mais bela, cenograficamente, desde que “Game of Thrones” foi ao ar.
A maior parte do episódio foi tomada pela batalha entre o exército de Bolton (liderado, naturalmente, por Ramsay Bolton) e o bando esfarrapado dos soldados de Jon Snow. Foi uma batalha imensa, em termos de escopo – antes de ir ao ar, a Entertainment Weekly relatou que a filmagem exigiu uma equipe de 600 pessoas, 500 figurantes, 160 toneladas de cascalho e pelo menos 70 cavalos de verdade – e de importância histórica. Sua inspiração foi um dos embates mais famosos de história: a Batalha de Canas.
O diretor Miguel Sapochnik, responsável por esse episódio e que já havia deixado sua marca indelével em Westeros com o 8º episódio da 5ª temporada, “Hardhome” (aquele dos Caminhantes Brancos), é digno de nossas libações, com direito a cálices do tamanho dos de Cersei cheios de Imp’s Delight e tudo o mais. Ele contou à Entertainment Weekly que a filmagem do episódio de domingo foi “a coisa mais complicada em termos de logística em que eu já me envolvi”.
Após ler o roteiro e dar uma olhada em Saintfield, a campina particular na Irlanda do Norte onde as cenas foram gravadas, Sapochnick decidiu que precisaria de 42 dias para a filmagem. Deram-lhe 25. Mas, para a alegria da crítica, ele conseguiu, em parte porque não perdeu de vista a referência histórica real por trás do episódio.
Falanges macedônicas
Vamos recapitular rapidinho aqui a batalha: os exércitos de Jon Snow e Ramsay Bolton se enfrentam em duas fileiras retas com seus líderes à frente, quando Ramsay executa um de seus últimos truques cruéis de manipulação. Ele liberta Rickon Stark, e enquanto o menino cabeludinho corre na direção de Jon, Ramsay fica disparando flechas na sua direção, errando (presume-se) de propósito, até que, claro, Rickon se vê a apenas alguns metros de distância de Jon, quando então uma flecha perfura seu coração e o sangue jorra de sua boca. Jon perde a cabeça e dispara sozinho numa investida contra a fileira dos soldados de Bolton, forçando seu exército a acompanhá-lo.
Assim começa uma batalha tão letal que o chão logo desaparece sob as pilhas de cadáveres e moribundos. Os homens de Jon perdem qualquer noção de ordem, na medida em que chove flechas sobre eles. Depois que Ser Davos, que havia permanecido na retaguarda, traz o último reforço do exército de Jon para o combate, Ramsay põe em ação sua arma secreta: várias fileiras de soldados bem disciplinados que até o momento haviam permanecido fora do combate.
Esses soldados cercaram a massa no que ela lutava, envolvendo-a por completo com um paredão de escudos. As únicas coisas que saíam desse paredão eram suas longas lanças, que os soldados de Bolton usaram para golpear os inimigos encurralados enquanto eles mesmos marchavam adiante – uma armadilha mortífera.
Para os telespectadores que gostam de história, essa batalha deve ter sido familiar. Pesquisadores de estudos clássicos também podem ter tido um déjà vu com o paredão de escudos, que devem ter reconhecido, corretamente, como uma falange macedônica. Desenvolvida por Filipe II da Macedônia e usada por seu filho Alexandre, o Grande, para conquistar a maior parte da Pérsia, a expressão se refere amplamente a um tipo de estratégia militar que consiste em várias fileiras de homens munidos daqueles escudos imensos que vimos no episódio de domingo. Então, eles usam as lanças para golpear através do paredão, que é essencialmente impenetrável.
Batalha de Agincourt
Esses mesmos telespectadores também devem ter percebido algo de familiar na estratégia de Ramsay – atrair todo o exército de Jon de modo a formar uma massa sangrenta e desorientada, para então cercá-lo com uma nova divisão organizada de soldados. Chamada de “movimento de pinça” ou “envolvimento duplo”, essa tática foi usada em muitas batalhas ao longo dos séculos, incluindo a Batalha de Agincourt de 1415, na qual a cena a princípio teria se inspirado.
Mas “as necessidades foram mudando”, por isso Sapochnik escolheu se inspirar no que deve ser um dos exemplos mais famosos dessa estratégia: a Batalha de Canas, de 216 a.C., durante a Segunda Guerra Púnica, em que um pequeno exército liderado por Aníbal derrotou um tremendo exército romano.
Disse Sapochnik à Entertainment Weekly: “A princípio nós baseamos a Batalha dos Bastardos na Batalha de Agincourt, que se deu entre os franceses e ingleses em 1415. Mas, conforme as necessidades foram mudando, ela começou a se parecer mais com a Batalha de Canas entre Aníbal e os romanos em 216 a.C.”
Nessa batalha famosa, Aníbal trazia consigo um exército cartaginense de cerca de 50.000 soldados. Os romanos tinham quase o dobro disso. Assim como na série, os exércitos se confrontaram em duas linhas retas, mas, conforme a linha romana começou a ficar desorientada no caos do combate, a dos cartaginenses foi se alargando até assumir a forma de uma crescente. Os soldados de Aníbal aos poucos englobaram os romanos, conforme a cavalaria chegava de surpresa por trás do combate para fechar o círculo e então massacrar a maioria dos romanos.
E, diferente do caso de Jon, os romanos não podiam contar com o deus ex machina de Mindinho/Sansa só esperando para salvar o dia.
Guerra de Secessão
É claro que, no episódio, os soldados de Jon tentaram escapar da cilada utilizando uma pilha de cadáveres como um tipo de escada. David Benioff, um dos responsáveis por “Game of Thrones”, disse que essa ideia veio da história dos EUA.
“‘A Batalha dos Bastardos’ vai ficando incrivelmente compacta”, disse Benioff à IGN. “Todos esses homens, todos esses combatentes, vão se acumulando nesse espaço incrivelmente apertado no campo de batalha. Há relatos que se pode ler de episódios na Guerra Civil dos EUA em que os embates eram tão apertados que o tanto de gente acabava sendo uma obstrução no campo de batalha”.
Como se diz, quando se joga o jogo dos tronos, ou você vence ou você morre. Mas, aparentemente, também dá para aprender um pouco de história no caminho.