Seja em Cidade de Deus ou Tropa de Elite, a criminalidade do Brasil já se provou há um bom tempo como ativo útil para a criação de produtos audiovisuais bem-sucedidos. Esse tipo de história, que borra as linhas entre o certo e o errado, revelando a dura rotina em comunidades e a tempestuosa relação entre bandidos e mocinhos, continua a fazer sucesso. Tanto que esses elementos se fazem presentes em Dom, série que é destaque no Prime Video e acaba de ganhar sua última temporada.
Baseado em um livro de Tony Bellotto (sim, o guitarrista do Titãs), o seriado adapta a história real de Pedro Dom, um jovem de classe média do Rio de Janeiro que se tornou um dos criminosos mais assustadores da cidade. Ele assaltava condomínios usando uma granada, ameaçando explodir as pessoas, além de agredir violentamente suas vítimas, inclusive idosos. A curiosa corrupção de um jovem de família dita correta, inclusive com pai policial, era praticamente irresistível para que não fosse roteirizada em um Brasil que adora consumir produtos sobre seus crimes.
No primeiro episódio, Dom se preocupa em estabelecer que, antes de qualquer coisa, Pedro era um viciado em drogas que preocupava a família. A escolha de enfatizar o lado humano faz sentido, se observarmos como é de costume nessas produções. O criminoso passou pela reabilitação várias vezes, chegando até a ser acorrentado pelos familiares no desespero de tirá-lo daquela situação. Mas colocar o personagem como vítima da circunstância antes de um criminoso faz com que seus crimes pareçam justificados pelo vício e outros problemas em casa.
Em sua terceira temporada, a série segue nessa toada, revelando as preocupações de Dom agora que virou pai e acompanhando a tensão do protagonista ao observar o cerco da polícia se fechando ao seu redor – ele foi morto em 2005, após finalmente ser pego durante uma de suas fugas.
Embora faça sentido no contexto de construção de um drama comovente, as alterações na história podem muito bem ser objeto de questionamento, principalmente quando se trata de um produto que aborda “fatos reais”. Não à toa, com as tantas liberdades que Dom tomou no roteiro da terceira temporada, o seriado passou a ser categorizado dentro do Prime Video como “Ficção”.
O outro lado da moeda
Apesar desse deslize no roteiro, a produção é de alta qualidade. O seriado não deve nada a um produto do calibre de Narcos, por exemplo. As roupas, carros e ambientes respeitam a estética do início dos anos 2000, que é quando a história se passa. Além disso, a adaptação dos famigerados “bailes” para a tela não esconde a realidade, mostrando bandidos com o fuzil para cima enquanto a música alta toca.
O ator Gabriel Leone, responsável por viver Pedro Dom, também se destaca. Ele consegue traduzir a dualidade proposta ao personagem, que por vezes demonstra bondade, mesmo sendo um criminoso endividado com o tráfico. Vale notar que a atuação em Dom o colocou no mapa para estar em outro seriado baseado em uma figura real e de grande estima para o Brasil e para o mundo: Senna, que será lançado pela Netflix ainda este ano.
Outro ponto forte da série são suas histórias cruzadas. Embora o foco esteja no desenvolvimento do criminoso, a produção também brinca com a linha do tempo para mostrar a história do pai policial de Dom, trazendo um interessante contraponto ao enredo.
Para fãs de Cidade de Deus, Dom agrada como mais um retrato audiovisual complexo da criminalidade no Rio de Janeiro. Mas não dá para assistir tomando tudo como realidade. Como aponta Rodrigo Pimentel, ex-policial militar do BOPE e um dos roteiristas de Tropa de Elite, em vídeo publicado no seu canal de Youtube: “Não se deixe enganar pela narrativa da série, que romantiza a vida de um criminoso violento.”
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