Não foi só com a indicação de America Ferrera, a eterna Betty, A Feia, que está apenas mediana em Barbie, que a Academia fez média com a gigantesca comunidade latina residente dentro e fora dos Estados Unidos. Um filme totalmente voltado para enaltecer a força de trabalho mexicana e de países vizinhos está entre os cinco concorrentes para levar o Oscar de Melhor Canção Original. A música é The Fire Inside, interpretada por Becky G (o G é de Gomez), e ela integra Flamin’ Hot: O Sabor que Mudou a História, que pode ser assistido no Star+.
O filme dirigido por Eva Longoria, que fez fama atuando na série Donas de Casa Desesperadas, resume a trajetória de sucesso de Richard Montañez, um filho de imigrantes mexicanos do sul da Califórnia que começou de baixo na empresa Frito Lay e ascendeu até se tornar um executivo de sucesso. O roteiro é baseado no livro escrito por Montañez e em histórias relatadas por ele e por sua esposa. Pena que a própria Frito Lay contestou informações presentes no filme, o que faz dele uma cinebiografia, no mínimo, imprecisa.
Segundo consta em Flamin’ Hot, o protagonista foi durante vários anos um humilde faxineiro numa das fábricas da empresa de salgadinhos. Por entender que faltava um sabor que arrebatasse a comunidade hispana, ele teria inventado o hoje famoso flamin’ hot, tempero picante que pode ser encontrado em versões de Cheetos, Doritos e extrapolou o universo dos snacks, trazendo fortuna para a Frito Lay. No final de seus turnos fazendo a zeladoria e limpando o chão da fábrica, Montañez levava para casa em sacos de lixo salgadinhos que seriam descartados e então testava combinações do tempero ardido com ajuda de seus familiares, no afã de apresentar a criação para o CEO Roger Enrico.
A verdade queima
Acontece que a Frito Lay nega que o sabor flamin’ hot seja uma criação de Montañez. Havia pesquisadores dentro da empresa desenvolvendo salgadinhos picantes antes do período em que o filme mostra as primeiras amostras chegando nas lojas. A Frito Lay também contesta o posto de trabalho de Montañez. Ele seria um operador de maquinário, com relação mais próxima das frituras do que teria um zelador. E, quando Roger Enrico assumiu como CEO dos negócios, o sabor flamin’ hot já estava estabelecido no mercado, contradizendo a ideia de que ele foi inventado para ser apresentado para o executivo, como está no longa.
As imprecisões seriam mais toleráveis se Flamin’ Hot: O Sabor que Mudou a História fosse um filmaço. Não é o caso. Apesar de ter a sua função de exaltar a força de trabalho dos chicanos e reforçar a ideia de que “quem acredita sempre alcança”, não importa qual a sua posição hierárquica na sociedade, a obra é construída com diálogos caricatos, que poderiam ser engraçados, mas carecem de acidez. O preconceito com o trabalhador latino também tem forte papel na história, assim como as relações familiares – Montañez tem um pai que tarda em acreditar em seu potencial e uma esposa que nunca larga a sua mão, mesmo nos momentos mais difíceis.
A canção indicada ao Oscar é um reggaeton xexelento, mas com grife. Foi escrito por Diane Warren, uma compositora que já colocou diversas baladas no topo das paradas, entre elas I Don’t Want to Miss a Thing, do Aerosmith, e Because You Loved Me, de Céline Dion. Estaria mais de acordo com a onda musical atual se o gênero de The Fire Inside fosse um “corrido tumbado”, estilo adotado por Peso Pluma e outros cantores mexicanos que terminaram 2023 em alta. Mas tudo leva a crer que a canção não chegou ao Oscar por seus méritos estéticos e, sim, para celebrar o grande momento que os artistas latinos estão vivendo em flancos diversos da cultura pop. É a Academia pagando de antenada. Mas, na hora do vamos ver, a estatueta deve ficar com Billie Eilish e a sua delicada What Was I Made For?, de Barbie, que já chega avalizada por um Grammy de Música do Ano.
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