A destruição do acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro, num incêndio antevisto há mais de dez anos, trouxe uma onda nacional de comoção e tristeza tão ampla quanto previsível. E, tão previsível quanto a tristeza, veio a troca estéril de acusações entre os grupos que, há três décadas, compartilham o poder no Brasil e nada fizeram para preservar o maior acervo científico da América Latina.
A discussão politicamente polarizada é estéril, porque o incêndio na Quinta da Boa Vista não é a expressão do fracasso de um partido ou corrente ideológica em particular: o fogo que pode ter destruído o crânio de Luzia, achado antropológico que representava uma das maiores descobertas científicas feitas por brasileiros, em solo brasileiro, é a expressão do fracasso de todos nós. Do fracasso do Brasil como projeto e modelo de civilização.
Mais importante do que apontar os culpados imediatos ou eleger bodes expiatórios, portanto, é identificar o fulcro deste fracasso. Onde está a fratura da própria ideia de Brasil, de nossa consciência coletiva, que tornou a tragédia do Rio de Janeiro não apenas possível mas, de fato, inevitável? Sugerimos uma ferida específica: o desprezo – possivelmente inconsciente – do Brasil pela ciência.
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Políticos e empresários falam, quando entrevistados, que a ciência é fundamental e que, sem ciência e inovação, não há desenvolvimento. A população em geral, respondendo a pesquisas de opinião, responde que a ciência é importante e que confia nos cientistas.
Todos, portanto, “sabem” que a ciência é algo essencial. Mas “sabem” disso como um fumante “sabe” que cigarro causa câncer, ou como o motorista na mesa do bar “sabe” que não deve beber e dirigir. De algum modo, o conhecimento, abstrato, não se converte em comportamento, muito menos, em ação. Ainda mais abstrato é o conceito de ciência para a população, que apesar de “saber” de sua importância, não faz ideia do que se trata e para que serve.
No campo da política, conhecimento sem ação resulta em meias medidas, atitudes débeis, prioridades frouxas, boas intenções sufocadas por politicagem e burocracia. Transformar o Museu Nacional num centro internacional de excelência, salvando-o da destruição e liberando todo o potencial turístico e educacional de seu acervo, teria custado menos do que a mais recente reforma do Estádio do Maracanã, ao lado. Não faltava quem “soubesse” disso. Mas, e a ação?
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Esse fracasso da civilização brasileira é, em grande medida, um fracasso da promoção e da divulgação da ciência.
As entidades institucionalmente encarregadas dessas duas atividades parecem paralisadas, sem saber ao certo qual a sua responsabilidade no diálogo com a população. Incapazes de olhar para além de suas questões internas, indagam em tom de ressentimento e perplexidade – “por que cortaram minha verba?” e “como assim, queimou o meu museu?” – sem nenhum espírito de engajamento no debate público ou de diálogo amplo.
Os grupos informais que, heroicamente, buscam suprir a deficiência institucional, por sua vez, sofrem com limitações de escopo e recursos. E, assim, vira fumaça a esperança de um país onde todos tenham acesso à educação, ciência e cultura. Um novo tipo de agente, livre de amarras burocráticas e capaz de engajamento robusto, com o público e com os tomadores de decisão, se faz necessário. É preciso trazer as questões de ciência para o centro do debate nacional.
Natalia Pasternak é pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP
Marcelo Yamashita é diretor do Instituto de Física Teórica da Unesp