Há seis anos, quando foi ao ar o primeiro episódio de "Game of Thrones", o espectador aprendeu logo na primeira cena o fato que os personagens repetirão como um refrão: o inverno está chegando.
Tal constatação é um recurso narrativo clássico para prender a atenção de quem assiste. Algo paira sobre toda a narrativa, sem jamais se concretizar, e a mantem tensionada. Chegar à conclusão, por isso, é sempre um risco para os roteiristas — é comum que eles percam a mão justo quando não poderiam.
O sexto episódio da penúltima temporada da série, que foi a ar na noite deste domingo (20), indica que tudo que o programa tinha de particular está próximo de desandar. A narrativa, vista como inovadora, torna-se mais convencional ao se aproximar do fim.
O primeiro fato a se lamentar é que uma história que se destacou pelo trabalho com personagens — sua evolução, suas contradições — deixe esta dimensão de lado em nome de algo menos surpreendente, a ação.
O núcleo de gravidade da série agora se desloca das intrigas pelo o poder para a grande catástrofe prestes a se concretizar. Se não quiser ver spoilers, é melhor parar por aqui.
Neste capítulo da série, vemos Jon Snow e sua trupe fora da muralha tentando capturar um zumbi a fim de levá-lo a Cersei Lannister. A ideia é convencê-la de que a guerra mais importante não é a disputa pelo Trono de Ferro, mas a que vai acontecer contra o exército dos mortos, prestes a invadir Westeros.
O resultado é a turma toda cercada por uma multidão de zumbis, que precisa pedir a ajuda de Daenerys Targaryen para se safar. Ao salvá-los, um dos dragões dela acaba morto pelo Rei da Noite — e ressuscitado como dragão-zumbi.
Está resolvido, agora, a questão de como o exército dos mortos fará para cruzar a muralha e invadir Westeros. Vendo o tamanho da encrenca — e se derretendo pela mãe dos dragões —, Jon Snow resolve aceitá-la como sua rainha.
O único drama de personagens a sobreviver é a relação entre as irmãs Sansa e Arya Stark. Mandando em Winterfell na ausência de Jon, a primeira dá sinais de ter sido corrompida pela mosca azul do poder — e é desafiada por Arya, que percebe. Temos aqui um núcleo bem típico do que a série sempre fez.
Dramaturgia convencional
Não é só a aposta no desenrolar da trama em vez de na psicologia dos personagens que torna "Game of Thrones" mais convencional. Há outros pontos. O primeiro: a série apoia todo o seu edifício narrativo nas duas figuras mais desinteressantes do programa, Jon Snow e Daenerys, que não parecem feitos da mesmo matéria humana dos demais.
O segundo é uma outra mudança de rumo. Para uma série que bebe na literatura de fantasia, sempre chamou a atenção o fato de "Game of Thrones" não apostar de forma muito evidente na jornada do herói, estrutura temática e narrativa com raízes nas histórias mitológicas — e abraçada por nove em cada dez histórias na indústria do entretenimento.
Antes, não era possível nem ter certeza de quem era o real protagonista, porque a série mudava seu foco a todo tempo. Agora, se algo não mudar de rumo, Jon Snow surge como o herói clássico. Motivos comuns na jornada do herói já faziam parte de sua história: a bastardia, a orfandade, o exílio. Sem falar na visitinha e volta do mundo dos mortos, outro elemento clássico.
Se a série ao menos nos tivesse apresentado um herói com alguma malandragem — nem precisava inventar muito, a esperteza é outra característica de alguns heróis —, não teríamos um protagonista tão sem charme.
Mesmo a chegada do apocalipse a um mundo corrompido — e seu poder de purificar esse mesmo mundo — é um tema repetido a exaustão (os bondosos dirão que faz parte do inconsciente coletivo que constitui nossa humanidade comum).
Se houver purificação ou mesmo salvação, "Game of Thrones" abrirá mão de seu aspecto profundamente pessimista, uma de suas grandes qualidades. Com seu niilismo, o programa parecia feito sob medida para nossos tempos. Claro, não é nada entendiante ver dragões cuspindo fogo, zumbis sanguinolentos e batalhas mortíferas. Mas é bom a série nos reservar alguma surpresa na próxima página.