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O brasileiro “A Vida Invisível” é a ausência que salta aos olhos no Globo de Ouro 2020.
O brasileiro “A Vida Invisível” é a ausência que salta aos olhos no Globo de Ouro 2020.| Foto: Divulgação

Há quem discorde, considerando que o grupo de votantes e método de escolha são bem distintos entre si, mas estamos acostumados a tratar o Globo de Ouro como um dos grandes termômetros da premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, popularmente conhecido como o Oscar. E, se este for o caso, é a primeira má notícia para a campanha de A Vida Invisível, o belo filme de Karim Aïnouz que ganhou a preferência brasileira à pré-indicação da maior premiação da indústria cinematográfica. Não há nem sinal do brasileiro entre os que concorrem na categoria de Melhor Filme em Língua Estrangeira no Globo de Ouro, cuja lista foi anunciada nesta semana.

O Globo de Ouro é promovido pela The Hollywood Foreign Press Association (Associação dos Correspondentes Estrangeiros de Hollywood, em tradução livre), ou seja, jornalistas que cobrem mídia, mas não necessariamente são críticos. Os indicados são escolhidos pelos mais votados em uma escala de um a cinco e os vencedores por voto direto. O Oscar, por outro lado, é um prêmio da Indústria Cinematográfica para si mesma. As indicações e premiações são ambas baseadas em média composta, com a diferença de que na primeira cada categoria vota nos seus e na segunda todos votam em tudo. Nenhum dos dois é justo e gera distorções imensas – como a indicação e vitória de O Livro Verde no último Oscar ou Fernanda Montenegro perder para Gwyneth Paltrow –, mas não dá para ignorar as coincidências.

Nos últimos anos foram seis os filmes estrangeiros que venceram tanto o Globo de Ouro quanto o Oscar – Roma, de Alfonso Cuarón; Filho de Saul, de László Nemes; A Grande Beleza, de Paolo Sorrentino; Amor, de Michel Haneke; A Separação, de Asghar Farhadi; e Em Um Mundo Melhor, de Susanne Bier. O que é pior para A Vida Invisível, porém, é que nenhum filme na última década chegou a vencer o Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira sem antes ser indicado ao Globo de Ouro – a saber: Uma Mulher Fantástica, de Sebastian Lélio; O Apartamento, de Asghar Farhadi; e Ida, de Pawel Pawlikowski. Todos estavam nas duas listas.

Há um “porém”. Os indicados de Melhor Filme em Língua Estrangeira do Globo de Ouro são filmes notórios e merecem o destaque. Pelo menos é o que dá para dizer de Dor e Glória, de Pedro Almodóvar, e Parasita, de Bong Joon-Ho, que já passaram por aqui. Os outros três – The Farewell, de Lulu Wang; Retrato de uma Jovem em Chamas, de Céline Sciamma; e Les Misérables, de Ladj Ly – ainda são inéditos (e só o de Sciamma está com data para estrear, no início de janeiro de 2020), mas as críticas internacionais atestam a qualidade e relevância dos filmes.

O “porém” é que tanto Retrato de uma Jovem em Chamas quanto Les Misérables são produções francesas e a Academia aceita apenas uma inscrição por país – a indicação da França ficou com o trabalho de Ly. Isso não quer dizer, evidentemente, que a eventual vaga remanescente iria para o Brasil. Muitos filmes produzidos mundo afora poderiam ocupar a posição, como o senegalês Atlantique, de Mati Diop, vencedor do prêmio da crítica no Festival de Cannes, ou peruano Retablo, de Alvaro Delgado Aparicio, que disputa com A Vida Invisível no Independent Spirit Awards de Melhor Filme Internacional, a maior premiação americana para o cinema independente.

Se a vitória do Oscar para A Vida Invisível parece improvável (ainda que merecida) considerando o histórico, a própria indicação se torna um fator de legitimação. O que, para Aïnouz já seria um prêmio por si só. Quando conversou com a reportagem da Gazeta do Povo para o lançamento de seu filme, o diretor disse que “existe uma aridez tão grande no campo cultural, que acho que se a gente for indicado, pelo menos, significa alguma coisa, significa que não vão calar a gente, como a Fernanda [Montenegro] disse. É importante que o cinema fique visível. É importante para o público brasileiro. Acho que eu não estaria lutando com tanta vontade se fosse cinco anos atrás”. O Brasil sempre pode dar a volta por cima.

O Globo de Ouro

A ausência de A Vida Invisível entre as indicações do Globo de Ouro é uma questão de orgulho nacional, mas fora dos círculos brasileiros houve pouco questionamento. Em grande parte, porque os filmes escolhidos possuem méritos próprios. Isso não quer dizer, porém, que o Brasil não esteja lá de alguma forma. Afinal, Os Dois Papas, produção da Netflix dirigida por Fernando Meirelles (de Cidade de Deus), está concorrendo com pesos pesados na categoria de Melhor Filme – Drama. Incluindo aí a própria Netflix, já que O Irlandês, de Martin Scorsese, e História de um Casamento, de Noah Baumbach, ambas produções da gigante do streaming, também estão na corrida.

Os Dois Papas chega ao catálogo da Netflix apenas no dia 20 de dezembro (além de exibições pontuais em salas de cinema selecionadas), mas pela sinopse e nomes envolvidos já dá para entender a indicação. O filme acompanha a relação entre os Papas Bento XVI e Francisco, um conservador e outro liberal, durante a transição. Eles são interpretados, respectivamente, por Anthony Hopkins e Jonathan Pryce, o que não é pouca coisa. Além dos títulos da Netflix estão 1917, de Sam Mendes, ambiciosa reconstrução de uma batalha durante a Primeira Guerra Mundial, todo gravado em um falso plano-sequência (sem corte aparente, como em Birdman, de Alejandro Iñarritu), e, claro, Coringa, de Todd Phillips.

A presença de Coringa, um filme com momentos interessantes, mas pouca coisa além disso, e ausência de Nós, o horror social de Jordan Peele, é gritante. O mesmo vale para a ausência de Lupita Nyong'o que habilmente criou dois personagens distintos e cheios de nuances próprias para o filme. Nenhuma das outras atrizes indicadas na categoria dramática, por melhores que estejam (e estão todas ótimas), entregaram um trabalho tão delicado, intrincado e poderoso quanto o de Nyong’o – as indicadas foram Cynthia Erivo, por Harriet; Scarlett Johansson, por História de Um Casamento; Saoirse Ronan, por Adoráveis Mulheres; Charlize Theron, por O Escândalo; e Renée Zellweger, por Judy.

Ainda que seja bom ver um nome como o de Bong Joon-Ho como um dos indicados a Melhor Diretor por seu ótimo Parasita, o mesmo não pode ser dito da presença do nome de Phillips, considerando a falta de Peele por um trabalho obviamente superior. Também chama a atenção a ausência de algumas diretoras mulheres neste ano, considerando a quantidade de produções poderosas que elas fizeram e que, inclusive, receberam indicações em diversas outras categorias no próprio Globo de Ouro. Os principais vazios são de Lorene Scafaria, por As Golpistas, Greta Gerwig, por Adoráveis Mulheres, e Marielle Heller, por Um Lindo Dia na Vizinhança. Todos com indicações por atuação. Vale lembrar que a última mulher a ganhar um Globo de Ouro por direção foi Barbra Streisand por Yentl, em 1984.

Por fim, uma presença divertida: apesar de toda a campanha da Disney para que a organização das premiações tratasse sua nova versão de O Rei Leão como um filme “normal” (na falta de uma expressão melhor), o Globo de Ouro o incluiu na categoria de Melhor Animação. O que de fato ele é, ainda que seja uma animação foto realista. Nem só de injustiças vive a temporada de premiações.

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