A morte e o fim da carreira nem sempre significam a mesma coisa no mundo artístico. E não só em razão da perenidade da obra deixada pelo falecido. No cinema, os milionários recursos envolvidos sempre exigiram soluções providenciais para que o passamento de um ator ou atriz não acarretasse prejuízo para os grandes estúdios. Antes, dublês, trucagens e cenas que seriam descartadas ajudavam a preencher as lacunas abertas por eventuais mortes dos intérpretes. Agora, diante dos recursos tecnológicos disponíveis, um horizonte um tanto mórbido se desenha.
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Um Lázaro virtual, ressuscitado graças à tecnologia, contracena com colegas vivos. O caso mais recente – e impressionante – é de Peter Cushing, que não habita este planeta desde 1994, mas tem presença destacada no blockbuster “Rogue One – Uma História Star Wars” (2016). No filme, Cushing voltou a encarnar o vilão Governador Tarkin, apresentado no começo da franquia “Guerra nas Estrelas”, em 1977, com a qual a nova saga iniciada com “Rogue One” faz conexão. Por meio da técnica de captura de movimentos e da avançada manipulação digital, o rosto do ator foi sobreposto ao de Guy Henry, ator com características físicas semelhantes. Além disso, também em “Rogue One” a atriz Ingvild Deila recebeu uma máscara digital para se parecer com a jovem Princesa Leia que Carrie Fischer consagrou em “Guerra nas Estrelas” quando tinha 20 anos.
Carrie morreu em dezembro passado, dias depois do lançamento de “Rogue One” nos cinemas. Já havia concluído sua participação em “Star Wars: Episódio VIII – O Último Jedi”, próximo título da série original, com lançamento previsto para dezembro de 2017. Será, portanto, vista no novo longa da saga. Mas não no seguinte: em janeiro, a Disney negou os rumores de que estivesse negociando com a família de Carrie a “participação” da atriz no capítulo que tem estreia prevista para o fim de 2019.
Ressurreição digital
Desde que o potencial dos atores virtuais no cinema foi mostrado, em “Final Fantasy” (2001) – impressionante à época, hoje nem tanto –, prospecta- se um futuro em que gente de carne e osso possa ser substituída de forma realista por personagens moldados em bits. O até aqui inalcançável fator humano seguirá por muito tempo sendo perseguido pela tecnologia. Nos últimos anos, a técnica de captura de movimentos teve avanços notáveis, vide personagens humanoides como Gollum, de “O Senhor dos Anéis”, e o chimpanzé César, de “Planeta dos Macacos” – ambos moldados digitalmente sobre as expressões do ator Andy Serkis –, e também os de “Avatar”, que fizeram queixos cair com a sua precisão.
Contudo, já existe um movimento de astros e estrelas preocupados com o uso futuro de sua imagem. Em reportagem da revista norte-americana Newsweek, no final de dezembro, Mark Roesler, renomado advogado de agentes de celebridades de Hollywood, disse que seus clientes têm buscado informações sobre como manter em seus contratos o direito sobre suas imagens em caso de morte – a busca é por evitar a “ressurreição digital”, tanto no cinema quanto na televisão, tanto em obras artísticas quanto em comerciais.
Os filhos de Audrey Hepburn, morta em 1993, por exemplo, negociaram em 2013 a recriação digital da atriz para uma propaganda de chocolate embalada por “Moon River”, canção que a mãe cantou no clássico “Bonequinha de Luxo” (1961).
Afora as questões legais pertinentes, o uso da imagem digital de uma personalidade morta costuma encontrar a simpatia de fãs e familiares. Esse recurso possibilitou que o ator Oliver Reed concluísse sua participação em “Gladiador” (2000) e Paul Walker fizesse sua despedida da franquia “Velozes e Furiosos” no sétimo filme, lançado em 2015. O uso meramente mercantilista da tecnologia, no entanto, tende a encontrar barreiras éticas e legais.
Comprometido com as filmagens de outro longa-metragem, o britânico Benedict Cumberbatch está sendo substituído por um dublê, Aaron Lazar, nas cenas à distância do personagem “Doutor Estranho” em “Vingadores 3: Guerra do Infinito”, previsto para 2018. Isso estimulou rumores de que o rosto de Cumberbatch seria posteriormente inserido sobre o de Lazar. A Marvel garantiu que não fará uso do recurso, e que o ator estará de rosto e corpo presentes em todas as cenas. Se a magia do cinema for exagerada, corre o risco de perder seu encanto.
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