O cinema norte-americano dos anos 1970 foi tão bom e criativo, com tantos filmes hoje considerados clássicos – O Poderoso Chefão, Operação França, Tubarão, Taxi Driver – que o público atual não sabe que quase todos esses filmes foram produções baratas. Mesmo O Poderoso Chefão, sucesso mundial e hoje sabidamente um marco do cinema, não foi uma megaprodução hollywoodiana, mas um filme marcado por orçamento apertado e problemas com o estúdio.
Some-se a essa lista de obras-primas baratas um dos grandes títulos do período: Um Dia de Cão, de Sidney Lumet. Lançado há exatos 50 anos, é considerado, com justiça, um dos momentos épicos da chamada Nova Hollywood, um drama comovente marcado por uma história de cunho social, grandes atuações e uma direção primorosa. O filme é baseado num acontecimento real e conta a história de dois amigos (Al Pacino e John Cazale) que resolvem assaltar um banco para saldar dívidas financeiras. O assalto dá errado, vira uma situação complicada com reféns e polícia, e o caso descamba para uma solução trágica.
Em 1975, o único nome realmente famoso daquela produção era Al Pacino, que havia despontado três anos antes no papel de Michael Corleone em O Poderoso Chefão. Naquela época, Pacino era um beatnik, uma alma livre que não se importava com nada a não ser o teatro. Dormia no sofá de amigos e chegou a trabalhar de zelador num prédio em Nova York, morando num cubículo, só para custear aulas de interpretação. Era office boy quando conheceu outro fanático pelo drama, um tal de John Cazale, com quem dividiu vários palcos em produções furrecas até atuarem, os dois, em O Poderoso Chefão, fazendo os irmãos Michael e Fredo.
Cineasta injustiçado
Sidney Lumet era um cineasta admirado por sua capacidade de extrair grandes atuações do elenco e por fazer filmes de forma rápida e barata. Ele se recusava a filmar fora de Nova York e, por isso, ficava um pouco à margem do “cinemão” hollywoodiano. Considero Lumet um dos cineastas mais injustiçados do cinema. Para mim, ele está no panteão e deveria ser reverenciado como Welles, Fellini e Kurosawa.
Sua lista de obras-primas é impressionante: antes de Um Dia de Cão, fez Doze Homens e uma Sentença (1957), Longa Jornada Noite Adentro (1962) e Serpico (1973), este último com Al Pacino. Depois, faria Rede de Intrigas (1976) e O Veredito (1982). Seu último trabalho foi o fabuloso Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto (2007). Sidney Lumet morreu em 2011, aos 86 anos, depois de dirigir mais de 50 longas.
Um Dia de Cão foi uma produção barata: custou menos de 4 milhões de dólares, uma mixaria até para a época. O elenco foi basicamente escolhido de atores e atrizes desconhecidos que Al Pacino e Sidney Lumet selecionaram de grupos de teatro nova-iorquinos. A filmagem durou pouco mais de dois meses e terminou três semanas antes do prazo e abaixo do orçamento.
Quem assiste a Um Dia de Cão hoje, meio século depois de lançado, ainda fica mesmerizado por sua beleza e pela atuação de Pacino e Cazale. E que tristeza é lembrar que Cazale teve uma carreira tão breve: atuou em apenas cinco filmes, todos obras-primas – O Poderoso Chefão, A Conversação, O Poderoso Chefão 2, Um Dia de Cão e O Franco-Atirador – antes de morrer de câncer, aos 42 anos de idade.
- Um Dia de Cão
- 1975
- 119 minutos
- Indicado para maiores de 12 anos
- Disponível para locação e compra em AppleTV e Amazon