Quando o primeiro “De Volta ao Jogo” (John Wick) estreou, em 2014, pouco se antecipava sobre o novo filme de Keanu Reeves. O diretor, Chad Stahelski, fez longa carreira como dublê em Hollywood e tinha praticamente zero experiência por trás das câmeras. Mas o filme, baseado em um argumento extremamente simples – um assassino de aluguel aposentado que tem seu carro roubado e seu cachorro morto parte em busca de vingança –, fez sucesso. Arrecadou mais de US$ 85 milhões nas bilheterias e alcançou um escore de 68 no metacritic. A razão para isso: “De Volta ao Jogo” é um espetáculo de tiros e pancadaria, em que Reeves não abre a boca para falar mais que uma dúzia de vezes.
Agora, sua sequência, “John Wick: Um Novo Dia para Matar”, previsto para estrear em 9 de fevereiro, traz a expectativa de tornar um filme cult em uma franquia de sucesso comercial. Por isso, nos esforços de divulgação pré-lançamento da continuação, os produtores lançaram um trailer que lembra a quem não assistiu os eventos do primeiro filme. “John Wick – Sinfonia da Violência” é uma pequena obra-prima de 2 minutos que, embalada pela música de Tchaikovsky (“Abertura 1812”), faz uma ode aos maiores momentos do personagem-título da série. São tiros e socos sincronizados com o que o compositor russo vislumbrou serem disparos de canhão em sua sinfonia original.
A violência parece ser também o principal componente do próximo (e último da série) filme do personagem Wolverine estrelado por Hugh Jackman, “Logan”. O primeiro trailer do filme, previsto para estrear em 2 de março, chamou atenção pela música de Johnny Cash, dando um tom maior de seriedade para a história da Arma X. Já o mais recente apresenta uma nova personagem, Laura Kinney, uma menina de 11 anos com as mesmas habilidades de Wolverine. O que se vê no vídeo de 2min40 é uma criança com instinto animal que não parece ter remorso em ferir ninguém mortalmente.
O frisson sobre a violência explícita no trailer de “Logan” fez com que seu diretor, James Mangold, se manifestasse nesta segunda (23) no Twitter confirmando que o filme recebeu a classificação “R”, de “restrito”, pela Motion Picture Association of America, por sua “violência brutal” e linguagem pesada. O fato foi comemorado pelos fãs do personagem, visto que o último filme de herói da Fox a receber a mesma classificação foi “Deadpool”, que se consagrou como um filme de herói para adultos, gênero que combina mais com as histórias de Wolverine nos quadrinhos.
Official: Please be advised that LOGAN has been rated R for âstrong brutal violence and language throughout, and for brief nudity.â
— Mangold (@mang0ld) 23 de janeiro de 2017
Violência permite a evolução da espécie
Há quem veja na exaltação da violência no cinema algo negativo, mas é a capacidade de criar produtos culturais que explicitam a violência uma das estratégias que permitem nossa evolução como espécie. Essa, ao menos, é a tese encampada pelo professor do Departamento de Inglês da Washington & Jefferson College, nos EUA, Jonathan Gottschall, autor do livro “The Storytelling Animal” (“o animal narrativo”, em tradução livre), não lançado em português. Para Gottschall, estudioso do darwinismo literário, as histórias são como simuladores de voo que preparam os pilotos em terra para enfrentar condições adversas reais no ar. As narrativas, sejam tragédias, humor, ação ou romance, nos fornecem pistas sobre a melhor maneira de agir em situações diversas.
O maior exemplo usado por Gottschall para ilustrar sua tese é o poema épico “Ilíada”, de Homero, tido pelo pesquisador como a obra de arte mais violenta de todos os tempos. Os cânticos da “Ilíada” são marcados por várias e sanguinolentas batalhas, descritas em detalhes explícitos que envolvem ossos quebrados e carne dilacerada. E esta foi uma das obras que, não nos esqueçamos, deu origem à filosofia, ao teatro e à literatura.
Interesse na violência a mantém contida
Segundo Gottschall, os homens combatem em busca de honra e respeito, fatores determinantes para posicionar o indivíduo no começo da fila hierárquica. Esta liderança é uma vantagem evolutiva. O pesquisador também lembra que até as sociedades mais pacíficas se divertem com espetáculos sanguinolentos. Gottschall cita o psicólogo Steven Pinker, autor de “Como a Mente Funciona”: foi uma sucessão de eventos históricos que acalmaram os demônios dentro de nós e fizeram o lado bondoso da nossa espécie sobressair ao lado obscuro. Em resumo: a violência é da natureza humana.
O interesse de Gottschall pelo tema o levou a um projeto peculiar: matricular-se em uma academia de Artes Marciais Mistas (MMA) e treinar como um atleta da modalidade para enfrentar um adversário em uma luta real. A experiência foi descrita por Gottschall no livro “The Professor in the Cage” (“o professor na jaula”, em tradução livre), ainda não lançado no Brasil, em que o autor faz uma nova investigação pela ciência e a história da violência. Para Gottschall, a popularidade do MMA é apenas mais um exemplo do interesse insaciável de nossa espécie não apenas na violência, mas nos rituais que a mantêm contida.