Em cartaz nos cinemas há uma semana, Herege não é o típico terror psicológico que costuma sair dos estúdios da produtora A24 (Hereditário, Pearl). A começar pela escalação de Hugh Grant para o papel principal. O inglês de 64 anos fez fama estrelando comédias românticas, em papéis que não exigiam tanta carga dramática. Em Herege, ele encarna um – inicialmente – simpático e inofensivo senhor chamado Mr. Reed, que recebe duas missionárias da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e estabelece com elas uma conversa que evolui para situações de desespero. Definitivamente, não estamos falando de Um Lugar Chamado Nothing Hill ou Um Grande Garoto.
Mas o que faz de Herege um filme singular é a sua temática. Os diretores quarentões Scott Beck e Bryan Woods, que despontaram com Um Lugar Silencioso (2018), almejavam criar uma obra que debatesse as religiões de maneira séria, porém dentro de um formato comercial, com a plateia se enchendo de pipoca. A maneira que eles encontraram de concretizar isso foi transformando as atrizes Sophie Tatcher e Chloe East nas missionárias Irmã Barnes e Irmã Paxton, que numa tarde chuvosa batem à porta de Mr. Reed e iniciam o papo teológico que sustenta o longa-metragem. Detalhe: tanto Sophie quanto Chloe cresceram como mórmons, o que empresta mais veracidade às personagens.
Quem está em busca de um horror convencional para passar o tempo tem tudo para se aborrecer com Herege. Os cineastas realmente conceberam um filme que discute correntes religiosas e questões de fé como poucas vezes se viu no cinema – talvez porque a sala escura não seja o ambiente mais adequado para tais tópicos. Há alívios aqui e acolá durante o longo colóquio filosofal de Herege, como numa das primeiras cenas, quando Paxton reclama com Barnes que a crença delas foi ridicularizada pela turma de South Park no musical da Broadway The Book of Mormon – o diretor Scott Beck é de Denver e ação do filme se passa na vizinha Boulder, duas cidades do Colorado, estado onde moram Stan, Kyle, Cartman e Kenny.
Iterações por minuto
Os questionamentos de Mr. Reed vão indicando para as duas missionárias que elas estão diante de um estudioso das religiões. Pouco depois, de que aquele senhor tem profundo desdém pela forma como os fiéis escolhem o que seguir e até mesmo pela originalidade dos escritos presentes na Bíblia, Alcorão, Torá e no Livro dos Mórmons. Para exemplificar que um livro é meio que copiado do outro, ele usa a expressão “iterações” (que seriam renovações baseadas em textos pré-existentes) e coloca para tocar um compacto de The Air that I Breathe, música que fez sucesso nos anos 1970 com a banda The Hollies, foi plagiada pelo Radiohead em Creep nos anos 1990, que por sua vez foi plagiada por Lana del Rey em Get Free recentemente. O mesmo processo macaqueado se daria com as religiões, defende o personagem de Hugh Grant.
À essa altura, Barnes e Paxton já sacaram que estão numa enrascada e que precisarão cortar um dobrado para escapar da casa do esquisitão. Elas são convidadas a escolherem uma porta de saída tendo apenas a fé como guia, testemunham uma morte seguida de uma suposta ressureição, e ainda têm de lidar com outros joguinhos do proprietário enquanto torcem para que um supervisor de sua Igreja as encontrem e as livrem de tal enrascada. O caminho para a salvação, no entanto, passa é pelo poder da oração e pelo reconhecimento de que milagres acontecem.
Para embarcar na história, além de ter interesse no assunto, o espectador vai precisar comprar muita coisa e ser benevolente com o nível de conversa estabelecido entre Reed e as garotas. É compreensível que alguém não ache crível e sinta enorme enfado com o desenrolar dos diálogos e ações. Mas há detalhes que contribuem para o resultado final – a maioria das críticas tem sido superlativa com Herege, que também vem fazendo bonito nas bilheterias. Um capricho está na escolha de Sophie Tatcher para cantar o tema principal: Knockin’ on Heaven’s Door. Além da composição de Bob Dylan ter tudo a ver com o enredo do filme, a versão interpretada pela atriz tem uma base muito semelhante à da canção Fade into You, do grupo indie Mazzy Star. Ou seja, é mais uma iteração dentro de uma obra que debate iterações.
- Herege
- 2024
- 111 minutos
- Indicado para maiores de 16 anos
- Em cartaz nos cinemas
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