O catatau de 624 páginas pode desmotivar o leitor de hoje, habituado a listas do Buzzfeed e timelines variadas. Mas vale confrontar o desânimo e deixar-se envolver por “Frida, a Biografia”.
O assunto é a excepcional vida de Frida Kahlo (1907-1954), uma sucessão de infortúnios que beira o ficcional. O compêndio de cartas, reproduções de pinturas, depoimentos e entrevistas, habilmente costurado por Hayden, logra dar uma visão panorâmica sobre a pintora mexicana que fez do sofrimento a matéria-prima de sua arte.
Duas grandes tragédias conduzem a narrativa. A primeira foi o acidente entre um trem e um bondinho, em 1925, em que uma barra de ferro a empalou – literalmente –, danificando-lhe a coluna e limando-lhe a possibilidade de ser mãe. Foi graças ao ocorrido, porém, que Frida ficou acamada e, para vencer o tédio, deu as primeiras pinceladas.
A outra tragédia, segundo a própria Frida, foi o grande muralista Diego Rivera, de quem ela se tornaria pupila e, depois, esposa. Rivera colecionou casos extraconjugais ao longo dos dois casamentos com ela. Uma das amantes foi a própria cunhada. No entanto, não suportava que a pintora se relacionasse com outros homens – com mulheres, não se importava.
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Frida era obcecada por Rivera e, por mais que penasse, preferia tê-lo ao lado. Apesar dos pesares, o muralista foi uma parceria tanto no meio artístico quanto no Partido Comunista, onde ambos eram ativos. Fruto desse engajamento foi o caso de Frida com Leon Trótski, que se hospedou com o casal de pintores quando fugia da perseguição de Josef Stálin.
A biografia também explora o lado maternal de Frida. Sua necessidade de cuidar fazia com que mimasse Rivera, enchesse o quarto de bonecas e se cercasse de bichos. Criou macacos, cães, papagaios e até veados no pátio interno da Casa Azul de Coyóacan, na Cidade do México, onde cresceu e morou boa parte da vida. A impossibilidade de ser mãe foi uma de suas grandes dores. A fertilidade, o parto, a amamentação e o aborto se tornaram objeto constante de suas obras.
As descrições minuciosas das principais telas de Frida – cujas reproduções constam no livro – não interessam apenas aos aficionados por artes plásticas. Com propriedade e sem academicismo, Hayden interpreta as pinturas de forma a despertar o olhar do leigo para detalhes à primeira vista negligenciados.
Por mais que tenha vivido atrelada à dores crônicas, leitos de internação, coletes ortopédicos e até à uma amputação, Frida nunca se tornou casmurra. Adotou uma atitude zombeteira para com a morte, que parecia sempre à espreita. Alegre e festiva, rodeava-se de caveiras de açúcar e esqueletos de papel machê. Sua personalidade esfuziante, magnética, tornam sua biografia igualmente atrativa.
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Livro
“Frida – A Biografia”
Hayden Herrera. Tradução de Renato Marques. Biblioteca Azul/Globo Livros, 624 pp. R$ 45,40.