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Em cartaz nos cinemas brasileiros, Homem-Aranha: Através do Aranhaverso, a continuação de Homem-Aranha no Aranhaverso (2018), é uma aventura multidimensional carregada dos dois temas clássicos de qualquer história à moda antiga sobre o teioso: poder e responsabilidade. Miles Morales, o Homem-Aranha amigão da vizinhança do Brooklyn, em Nova York, esforça-se para equilibrar a escola com o super-heroísmo, sua vida familiar, as inscrições para a faculdade (que geram uma cena divertida e muito relacionável no início do filme) e a luta para superar a paixão por Gwen Stacy, a garota dos seus sonhos, sua alma gêmea, ou seria Aranha-Gêmea? Infelizmente, para Miles Morales, o fato de Gwen morar na Terra de outra dimensão não é o suficiente para ajudá-lo nesta tarefa. E sua paixão aumenta quando ela repentinamente aparece em seu universo, abrindo um portal sobre sua cama. Como diria a canção, “ain’t no mountain high enough” (nenhuma montanha é alta o suficiente).
Acontece que Gwen não decide visitar Morales para declarar seu amor, mas para capturar Spot: o “vilão da semana”, que rapidamente se torna uma ameaça interdimensional. Ele consegue escapar da dupla de heróis e junta a quantidade suficiente de matéria-negra para poder se teletransportar entre dimensões. Gwen, Morales, Pavitr Prabhakar (o Peter Parker indiano) e o Spider-Punk são convocados pelo quartel general dos Homens-Aranha para capturar Spot. O grupo de heróis falha em sua missão, permitindo que ele exploda outro colisor de matéria-negra, aumentando seu poder.
É neste ponto em que Através do Aranhaverso entra em seu principal debate filosófico: pré-determinismo versus livre-arbítrio. Depois da explosão do colisor, Miguel O’Hara, o líder interdimensional da sociedade de Homens-Aranha responsáveis por retornar seres a seus universos de origem, revolta-se com Morales por salvar a versão indiana do capitão Stacy da morte certeira. Ele explica que aquele era um “evento canônico”, e que sua ausência poderia afetar o tecido da realidade, destruindo tudo e todos que existem. Em seguida, Morales descobre que a morte de seu pai, que está prestes a se tornar capitão da polícia, pelas mãos de Spot é um desses eventos. Salvá-lo pode afetar todo o seu universo natal; ao menos, é o que prevê a inteligência artificial de Miguel O’Hara.
Heróis são bravos
Morales rejeita a falsa dicotomia entre os direitos individuais e o bem maior: “Eu posso fazer ambos, consigo salvar todos.” A partir disso, os habitantes da tecnocrática Sociedade-Aranha de O'Hara, que beberam da fonte do utilitarismo, tentam (e falham) em impedir a fuga de Morales daquela dimensão. Esses Homens-Aranha não consideraram a possibilidade de que heróis são definidos por atos de bravura. E permitir que pessoas inocentes morram não se qualifica como tal.
O filme acaba sem uma conclusão, deixando um gancho para o próximo longa-metragem. Mas já vimos Homens-Aranha em filmes da Marvel e da Sony salvarem o tecido da realidade e seus entes queridos ao mesmo tempo. Por exemplo, o Peter Parker de Sam Raimi, interpretado por Tobey Maguire (o melhor Homem-Aranha), responde ao problema do bonde (um trem, neste caso) salvando MJ e as crianças no veículo que o Duende Verde arremessa de uma ponte no Homem-Aranha de 2002. Este Peter Parker também se une às versões de Tom Holland e Andrew Garfield em Homem-Aranha: Sem Volta para Casa, de 2021, para salvar o multiverso da implosão. Portanto, apesar do que Miguel O’Hara e sua previsão dizem, canonicamente vimos os Homens-Aranha consertarem as coisas à sua maneira.
Acima de tudo, o próprio Miles Morales é anômalo. Segundo O’Hara, ele é a “anomalia original”, afinal é o único Homem-Aranha que ganhou seus poderes ao ser picado por uma aranha de um universo alternativo. Assim como todos os seres humanos, Morales é dotado da capacidade de livre arbítrio. Seu próprio destino, assim como o de seus entes queridos e de seu próprio universo, depende de suas decisões. Embora outros Homens-Aranha, Peter Parkers e Miles Moraleses tenham falhado em salvar seus Tio Bens, Capitães Stacys e Capitães Moraleses, o padrão não precisa se repetir para este Miles Morales. Não importa que “em que alguns universos, Gwen Stacy se apaixone pelo Homem-Aranha... E em todos eles o romance não acabe bem” porque, nas palavras do próprio Morales, “há uma primeira vez para tudo, certo?”
Miles pode conseguir a garota, salvar seu pai e o mundo. No mínimo, para ser verdadeiro consigo e o ethos de um Homem-Aranha, ele deve rejeitar o fatalismo de Miguel O’Hara e adotar a marca registrada do herói: tentar o seu melhor.
© 2023 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.