No Brasil, a faceta de comediante stand-up de Joe Rogan é a menos conhecida. Muita gente sabe que ele comanda o The Joe Rogan Experience, o podcast mais influente do mundo (17 milhões de assinantes), inspiração declarada para o brasileiro Flow Podcast (que formatou todos os mesacasts nacionais que vieram depois). Já quem acompanha o universo do MMA cansou de ver o americano entrevistando os “gladiadores do terceiro milênio” – como diria Galvão Bueno – no fim das lutas. E quem assinava TV a cabo nos anos 90 pode tê-lo visto atuar no seriado NewsRadio, sobre os bastidores de uma emissora de rádio.
Só que Rogan, hoje com 57 anos, está no circuito de stand-up desde o final da década de 80. Seu primeiro especial fazendo um show solo data do ano 2000. Só pela Netflix, já são três, sendo que o mais recente foi exibido ao vivo há poucos dias diretamente de um teatro lotado em San Antonio, Texas. Batizado de Burn the Boats, expressão usada quando a pessoa foi muito longe e não faz mais sentido retornar, o produto agora está editado na plataforma, com legendas em alguns idiomas, ainda não em português.
Quem já pegou cortes de Rogan em seu podcast por aí – ele entrevistou de Elon Musk a Rafinha Bastos – não vai ter dificuldade de entender seu monólogo de pouco mais de uma hora. O ator-podcaster-humorista fala de temas que são caros a ele, com foco em liberdade de expressão e uso de entorpecentes, sem esconder sua visão de mundo mais libertária. Ele chega a mencionar o slogan anarcocapitalista “imposto é roubo” numa passagem do espetáculo em que se define politicamente.
O início de Burn the Boats é bem voltado para questões americanas, com ele falando de sua mudança da Califórnia para o Texas e fazendo piadas com maconha. O show esquenta quando ele passa a zoar o surto de Covid-19. “Perdemos muitas pessoas durante a pandemia. E a maioria delas segue viva!”, ele solta, em referência aos milhares de conspiracionistas que floresceram durante o período. “Antes, achava que a vacina era a maior invenção da humanidade. Depois, acredita até que a Michelle Obama tem um pênis.”
O próprio Rogan foi acusado de ser negacionista durante a pandemia. E só porque ele questionava tudo que precisava ser questionado à época e porque, quando se infectou, fez uso de uma série de medicamentos de eficácia não comprovada para tentar não ser mais uma vítima da doença. “Nessa época, eu ligava a TV e até o Príncipe Harry estava dizendo que eu era uma pessoa horrível.” E ele ainda dava razão ao Príncipe! Rogan se define como um professional shit talker, ou seja, um professional em dizer besteiras.
Palavras proibidas
O especial chega ao ápice quando Rogan aborda modernices e como a sociedade emburreceu. “Eu nasci em 1967 e naqueles tempos um garoto podia ir numa casa de judeus vestido de Hitler pedir doces no Dia das Bruxas. Todo mundo sabia que ele não era o Hitler, pois o Hitler estava morto, era só um menino vestido como ele. ‘Toma aqui seus doces, meu pequeno füher’”.
Ao mencionar a ameaça chinesa, ele faz graça com o fato dos americanos aceitarem que seus celulares sejam produzidos no país comunista. Rogan defende que há americanos o suficiente (e mexicanos ilegais) para que a produção fique toda na América. Nessa hora, ele elogia os bravos mexicanos que atravessam rios e desertos para entrar nos EUA. “Troco qualquer pessoa de cabelo azul daqui por um desses corajosos”.
Após zombar de homens feministos, lésbicas arrogantes, amigos machistas, malucos que se vestem de mulher e gente burra confiante, Rogan chega ao seu momento mais inspirado, reclamando das palavras que não pode mais falar por medo de ser repreendido. E sugere uma solução genial: que as pessoas possam comprar vouchers para usar esses termos, com todo o dinheiro arrecadado sendo destinado às pesquisas para a cura do câncer. “Aqui estão seus cinco ‘retardados’ para usar neste ano”. Coerentemente, ele reconhece que essa palavra não deve ser empregada para se referir a crianças com alguma deficiência. “Mas um adulto que faz um documentário sobre a terra ser plana... Esse cara precisa ter o feedback adequado!”
- Joe Rogan – Burn the Boats
- 2024
- 67 minutos
- Indicado para maiores de 16 anos
- Disponível na Netflix
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