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A franquia John Wick é mais empolgante do que Star Wars, mais imaginativa do que os filmes de Harry Potter, mais cinematográfica do que o universo da Marvel e mais cativante do que a trilogia O Senhor dos Anéis. Ela ganhou o status de cult da maneira certa – não pelo reconhecimento da marca como naquelas franquias previsíveis, mas por dar à plateia emoções cada vez mais intensas. No novo episódio, John Wick 4: Baba Yaga, que entrou em cartaz nos cinemas brasileiros na última semana, o amante de cães e ex-matador de aluguel Wick (Keanu Reeves) ainda luta contra o The High Table, um sindicato internacional que ele prejudicou em outros filmes. O herói solitário enfrenta várias ondas de ataques de diferentes assassinos apenas para exibir acrobacias cada vez mais espetaculares.
O capítulo 4 é triunfante por seu estilo consistente – uma rara distinção entre sucessos de bilheteria geralmente dependentes de imitações convencionais. Diferentes gerações de cinéfilos foram tão vilipendiadas pela rotina monótona de algumas franquias que agora as brigas despretensiosas de John Wick agradam puramente por sua visceralidade. Cada detalhe leva o novo filme da tensão dramática ao clímax brutal e movimentado.
Desde que os filmes de kung fu com Bruce Lee, nos anos 70, introduziram um tipo particular de combate físico oriental, os fãs de cinema de ação se acostumaram com o aumento da violência – às vezes, com exércitos de lutadores assassinos, como é o caso de A Fúria do Dragão (1972). E esses clichês foram elevados a quantidades surreais, que beiram a fantasia dos videogames. O capítulo 4 de John Wick leva a extremos delirantes a coreografia ininterrupta dos combates mano a mano, das perseguições de carros, dos foot chases (quando uma pessoa corre para pegar a outra) e da violência armada em si.
É como se, depois de Matrix, Keanu Reeves estivesse dando nova forma ao estóico herói Neo. Mas a verdadeira estrela do quarto filme é o diretor Chad Stahelski, um ex-dublê que entende a física da ação, da violência e do humor. John Wick pode muito bem ser um alter ego de Stahelski, e cada ocasião ameaçadora inspira a bravura e a engenhosidade do próprio.
Prazer sem culpa
John Wick 4 não é sádico; é um filme que trata da sobrevivência do protagonista. Reeves personifica perfeitamente o ato de matar sem emoção – mas ele não é um anti-herói, é o nosso mocinho –, enquanto Stahelski tira a culpa do espectador, que pode se entregar ao prazer do risco e do assombro.
A duração de quase três horas é excessiva (a edição original era supostamente ainda mais longa), mas Stahelski trabalha como Buster Keaton e outros cômicos do cinema mudo que originaram as incríveis acrobacias das telonas. Exemplo disso é uma deslumbrante perseguição de carro ao redor do Arco do Triunfo em Paris e um espetáculo na escadaria em Montmartre, que mostram como a dança de Joaquin Phoenix ao som de Rock and Roll, Part 1, em Coringa, era uma bobagem.
A erudição de Stahelski como dublê (seu conhecimento sobre a arte do movimento e suas maravilhas) pode explicar por que a estrutura de corrida de revezamento do filme não parece repetitiva. Os adversários de Wick lembram uma compilação dos vilões de James Bond – especialmente os veteranos do gênero Donnie Yen e Scott Adkins, que, com os aliados obscuros de Wick, Laurence Fishburne e Ian McShane, fundamentam a narrativa. Eles fornecem excentricidade suficiente para evitar respostas mecânicas.
Armas não matam pessoas
Agora que chegamos ao quarto filme da saga, esse híbrido de combate com armas e artes marciais já foi chamado ironicamente de “gun-fu”. É uma alternativa bem-vinda ao termo partidário “violência armada”, que não significa o que parece significar, e gera uma discussão política em vez de descrever a decadência social. A fantasia cínica de Stahelski não nos degrada como os políticos e os prevaricadores de nossa mídia desonesta. O capítulo 4 destila o antagonismo físico e mecanizado para uma abstração que permite ao público desfrutar do caos sem sentir a ameaça da realidade e da morte. Mas isso não é cinema fascista. A verdade é que John Wick 4 refuta definitivamente o slogan fascista “discurso é violência”.
A cena na boate Eurotrash feita por Stahelski, prelúdio para o próximo tiroteio de Wick, é tão bem projetada e dramaticamente trabalhada que vinga a promessa – e decepção – que senti com aquela luta no banheiro em Missão: Impossível – Efeito Fallout. Toda essa violência de desenho animado no capítulo 4 é menos do que meu ideal de cinema, mas não tem nada a ver com aquele aforismo de moralidade que diz que “o poder faz o certo”. Stahelski também nos mostra algo sobre nossas sensibilidades superiores – a capacidade de saber que “armas não matam pessoas, pessoas matam pessoas”. Ele preenche a necessidade primordial de descarregar nossas frustrações sociais sobre viver no inferno contemporâneo.
© 2023 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.