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O escritor e psicólogo Jordan Peterson veio ao Brasil divulgar seu novo livro
O escritor e psicólogo Jordan Peterson veio ao Brasil divulgar seu novo livro, “We Who Wrestle With God”.| Foto: Jonathan Castellino/Penguin Random House

Na noite da última terça-feira (18), uma das mais badaladas casas de show da cidade de São Paulo recebeu um evento que não é padrão para o local. O grupo costumeiro de pessoas com cigarros e garrafas de cerveja em mãos não era visto na entrada. Em vez disso, homens e mulheres com seus melhores ternos e vestidos aguardavam ansiosamente pelo caminhar da fila (enquanto alguns até faziam piadas sobre deixar as costas eretas como lagostas). O motivo dessa mudança de ares drástica foi a passagem do psicólogo e escritor canadense Jordan Peterson pelo Brasil, que apresentou sua nova palestra.

Autor do best-seller 12 Regras Para a Vida: Um Antídoto para o Caos, ele falou sobre a importância do sacrifício no cânone da humanidade. O tema, exposto a partir da história de Caim e Abel, foi escolhido para adiantar algumas das ideias que estarão presentes no livro inédito de Peterson, intitulado We Who Wrestle With God (em tradução livre, Nós que Lutamos com Deus). Ele será lançado em novembro em países de língua inglesa, mas sua publicação ainda não foi confirmada oficialmente no Brasil.

“Eu quero investigar o significado político das histórias bíblicas. Em princípio, podemos presumir que os textos da Bíblia servem como um guia para a estrutura da realidade na cultura ocidental”, explicou o escritor durante a palestra, realizada pela promotora de conferências e debates Fronteiras do Pensamento, com apoio da Brasil Paralelo.

“Parte do motivo pelo qual estou investigando tais histórias é para resolver ou pelo menos abordar de onde vem grande parte dos problemas políticos. E para mim, isso surge do mal que grupos fazem e que humanos são capazes de fazer quando agem em serviço a ideologias de grupo.”

Os espectadores ouviram atentamente Peterson, fazendo anotações ou balançando a cabeça de acordo com as ideias dele. No geral, a linha de raciocínio do pensador era bastante clara, mesmo com sua tendência conhecida de se perder por algumas veredas das próprias ideias. Apenas em um momento esse lapso aconteceu: estava debatendo o simbolismo da figura do pastor (Abel) como herói da classe trabalhadora e símbolo de masculinidade, quando, repentinamente, engatou em um comentário sobre a fantasia sexual de mulheres com “bilionários, lobisomens, vampiros, piratas e cirurgiões”, que reforçam o que ele chama de “arquétipo da Bela e a Fera” na literatura. Não à toa, toda a plateia riu com o canadense.

Pregador nato

Vez ou outra, Jordan Peterson também soltou outros pensamentos conhecidos por quem leu seus livros anteriores, especialmente Mapas do Significado: A Arquitetura da Crença, que já abordava muito da capacidade do homem para o bem e o mal. Mas os momentos de destaque da palestra aconteceram quando ele se jogou de cabeça no aspecto religioso: “A Bíblia é em grande parte um retrato da relação sacrificial entre o homem e Deus”, cravou durante o discurso. “A comunidade e o futuro são fundados no sacrifício. Aqueles que dão o seu melhor prevalecem. Por quê? Porque eles estabelecem relacionamentos harmônicos que permitem a cooperação e a competição de maneira produtiva e pacífica.”

Para quem já assistiu a palestras do escritor por meio de seu canal no YouTube, que começou a fazer sucesso a partir de 2016, ficou claro que ele está em uma nova fase e que We Who Wrestle With God é um lançamento promissor. Se em seu primeiro livro, Mapas do Significado, expunha uma relação complicada com o cristianismo, afirmando que “não engolia o que eles ensinavam” na crisma, Peterson se mostra agora muito mais receptivo ao conteúdo da Bíblia.

Durante sua explicação da história de Caim e Abel, o canadense revelou enorme destreza em comentar sobre o simbolismo por trás da queima de uma oferenda: “A fumaça contém o espírito e a essência da oferenda. E ela sobe. Por que isso é relevante? Porque Deus está acima. Essa é a principal metáfora do esforço humano. Nós miramos para cima”.

Mesmo que esteja se aproximando cada vez mais da figura de um “telepastor”, até utilizando um paletó ilustrado com figuras religiosas, Peterson ainda não cravou onde está sua fé. Tanto que uma das perguntas enviadas anonimamente para serem respondidas ao fim da palestra era justamente: “Quando você planeja se tornar completamente católico?” A pergunta não foi escolhida no final da noite.

O que mais vem aí no novo livro?

Encerrando sua apresentação, Jordan Peterson amarrou todo seu discurso sobre sacrifício à questão política que levantou no começo de sua fala. Foi nesse ponto, inclusive, que fez todos os presentes se levantarem e o aplaudirem efusivamente. Ele explicou: “O que vemos diante de nós em um mundo com o ritmo cada vez mais acelerado? Vemos a manifestação política da batalha interna entre Caim e Abel. E uma vez que isso é entendido, a resposta é rejeitar o padrão de Caim e imitar o padrão de Abel.” 

E, se isso não bastasse, o psicólogo ainda cravou que “Marx é um herdeiro do espírito de Caim, ressentido, invejoso, amargo e usurpador”, deixando bastante clara a sua posição conservadora diante do público.

A apresentação de We Who Wrestle With God cria a expectativa de que essas relações sejam feitas de maneira mais direta no livro. Mas o caminho ainda não está claro. Ao menos, é o que indica o único trecho disponível da obra, disponibilizado em inglês no Instagram de Jordan Peterson. A tradução está abaixo:

“Quando barganhamos com o futuro, produzimos variantes de nossos futuros em si próprios, visões alternativas de quem podemos ser, e projetamos o resultado no mundo real. Quando nos sacrificamos, estamos barganhando com o futuro: nós desistimos de um conjunto de possíveis si próprios/possíveis futuros agora para propiciar a Deus e garantir sucesso para nós e aqueles que valorizamos conforme avançamos.

Oferecemos algo valioso, concretamente valioso – evidentemente valioso – aqui e agora, apostando que, se fizermos isso, o futuro irá se manifestar de uma maneira mais positiva.

Esse é um grande risco, dado o evidente valor atual da coisa que será sacrificada – um risco que carrega por si só um mistério além da compreensão: com o que ou Quem estamos barganhando?

Com o futuro, certamente; com nosso futuro si próprio, certamente – mas ainda mais profundamente, com o próprio potencial, ou o espírito do potencial. Ademais, tal negociação deve ser predicada na fé. Isso é assegurado, não somente indicado, pelo fato da nossa definitiva, ilimitada e finalmente irredutível ignorância. Você deve mover-se adiante com fé.”

O jornalista participou da palestra a convite da Brasil Paralelo.

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