Entre “Yellowstone” e “Horizon”, vale relembrar Kevin Costner em “Silverado”

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Kevin Costner está entre o céu e o inferno. O grande sucesso do seriado Yellowstone lhe deu ótima oportunidade para realizar a obra de sua vida. Idealizado há muitos anos, mas só produzido agora, seu faroeste Horizon: An American Saga, foi originalmente concebido em quatro partes. As duas primeiras estão prontas para estrear nos cinemas - saem respectivamente em junho e agosto nos EUA (no Brasil ainda não há data confirmada) - mas as duas últimas dependem do sucesso daquelas. E é aí que o diabo sorri.

Segundo especialistas do setor, a estimativa de retorno dos filmes tem sido baixa, acreditando-se até que o ator não conseguirá recuperar os US$100 milhões investidos do próprio bolso. Some-se a isso o imbróglio com a produção de Yellowstone, não se sabendo se o ator estará presente na parte final da última temporada, cujas gravações começaram há pouco e tem previsão de lançamento para novembro deste ano.

E voilá: se fracassar no cinema e não retornar ao seriado, o céu que se abria com um tremendo sucesso e reconhecimento pode se tornar um inferno que fará o ator ter saudades da vergonha passada com Waterworld (quem lembra?). E é aí que o diabo espera.

Seu momento faz lembrar de uma cena do seu primeiro faroeste como ator, Silverado, de 1985, em que interpretou um jovem cowboy talentoso no uso ambidestro de duas armas. Na cena, ele precisa atirar em dois inimigos ao mesmo tempo e há um intervalo de suspense antes do desenrolar final, em que o vemos de costas, respirando fundo, sabendo que se errasse qualquer dos tiros, era seu fim.

Ok, talvez o drama atual de Kevin Costner não seja para tanto, mas que o eventual fracasso duplo será um tombo grande, pela altura de onde cairá, ah, será. O filme, aliás, está na Netflix, que muito certamente o disponibilizou justo pela fama atual de Costner, embora ele seja um coadjuvante na história.

Em meio ao dilema, hora da nostalgia

Enquanto aguardamos o desfecho de Yellowstone e os resultados de Horizon, vale a pena revisitar Silverado, que não é nenhuma obra-prima, mas até que envelheceu bem, trabalhando temas que possuem mais destaque hoje do que à época. É o caso das histórias secundárias de Mal Johnson (Danny Glover) e Hannah (Rosanna Arquette), independentes entre si, com a de Mal tratando do racismo e a de Hannah sobre o papel da mulher.

Calma, eu sei que só de falar dessas coisas já dá vontade de parar de ler e ficar longe do filme, crente que seria mais uma lacração insuportável, dentre tantas que abundam atualmente. Mas não se deixe levar pela paciência do diabo.

Assistir Silverado pode ser até medicinal hoje em dia, pois esses temas são trabalhados sem proselitismo, tendo uma razão de ser na e pela história. Hannah, por exemplo, quando cortejada por Paden (Kevin Kline), faz uma bela reflexão sobre o valor da beleza feminina e do compromisso de um casal em construir uma vida juntos, o que faz todo o sentido na história, cujo tema central trata das origens formadoras das cidades do Velho Oeste norte-americano.

Não à toa o nome da cidade, Silverado, dá título à obra, destacando a realidade de transição social daquela época, que transformou cowboys solitários vivendo por sua própria lei em pais de família que viram comerciantes, fazendeiros etc. A necessidade de ajuda mútua, de confiança, lealdade e solidariedade entre vizinhos fundamentam a existência de uma comunidade, qualquer uma, tendo por célula básica a família. Tudo isso é de alguma forma retratado no filme, que possui várias histórias secundárias. 

Essa necessidade aparece mais e melhor no “arco do personagem” Paden, cuja primeira cena é com ele deixado para morrer num deserto, completamente sem nada, tendo sido roubado por seus então companheiros. Paden passa o filme todo tentando formar uma parceria mais sólida, fazendo da lealdade um valor maior, perdendo e morrendo por ela.

Símbolo maior disso é a defesa que fez de um cachorro, que o levou a sair de um grupo anterior ao que o assaltou e com quem se confronta ao final. Ele se mantém fiel a quem lhe foi leal e, no fim, com ele mudando de condição social, o filme conclui com clareza esse processo de formação de uma cidade como expressão de uma comunidade baseada na confiança e lealdade entre seus membros.

Legado para outros faroestes

Aliás, um parênteses que não deixa de ser também um tanto simbólico disso. Refiro-me ao curioso fato de Silverado, a cidade que foi construída para a obra - inteiramente cenográfica -, ter sido usada também por outros tantos filmes, como Wyatt Earp (1994), estrelado pelo mesmo Kevin Costner; o tenebroso Loucas Aventuras de James West (1999), com Kevin Kline e Will Smith; o ótimo Os Indomáveis (3:10 to Yuma, de 2007), protagonizado por Russel Crowe e Christian Bale; e até filmes distantes do gênero faroeste, como Thor (2011).

Voltando ao filme, um de seus maiores méritos é possuir um bom ritmo, com as histórias individuais se entrecruzando de forma a conduzir a trama maior da cidade sendo libertada de poderosos egoístas e até cruéis. Também as aventuras vividas pelos personagens não são apenas “encheção de linguiça”, mas servem para aprofundar suas personalidades.

Somando tudo, o filme, além de seus méritos, propicia também duas horas de mais entretenimento do que muita coisa atual produzida pelos serviços de streaming. Ou seja, se o leitor estava em busca de uma dica do que assistir no fim de semana, eis uma boa. Daquelas que o diabo não gosta.