Quando "Os Protocolos dos Sábios de Sião" foram publicados na Rússia em 1903, ninguém bradava "fake news!" para se referir a notícias falsas, como se tem feito nos anos recentes.
Mas eram falsas as notícias do livro sobre uma conspiração judaica para dominar o mundo, o que não impediu seu uso pelo nazismo para justificar a morte de 6 milhões de judeus.
Esse embuste é narrado no livro "A Força da Mentira" (480 páginas, R$ 81, editora Educ), publicado na próxima quarta-feira (22). A obra, da israelense Hadassa Ben-Itto, 91, foi lançada em 1998 e traduzida a 11 línguas desde então, mas ainda era inédita em português.
Ben-Itto conta uma história de um século atrás, mas a ideia de uma falsidade que tem poder mesmo depois de desmentida é um tema bastante contemporâneo. A própria tese de uma conspiração judaica continua a fomentar o crescente antissemitismo nos EUA e na Europa.
"'Fake news' virou uma coisa da moda, mas os protocolos são 'fake news' há cem anos", a autora diz à reportagem.
"Líderes políticos ainda utilizam a tese da trama judaica até hoje, como os nazistas fizeram. Serve de álibi para o que está acontecendo de ruim em seus países."
Nascida na Polônia, Ben-Itto foi juíza por 31 anos em Israel, um período durante o qual se deparou inúmeras vezes com histórias sobre os "Protocolos dos Sábios de Sião", um livro que forja as minutas de uma inexistente reunião de judeus para discutir a dominação mundial.
Se a princípio ela tratou a história como algo trivial, aos poucos passou a lhe incomodar o fato de que uma mentira sobre os judeus perdurasse tanto tempo. "O livro foi publicado por décadas em todo o mundo, em dezenas de línguas, sem ninguém fazer nada", afirma.
Ela decidiu antecipar a aposentadoria, abandonar as cortes e viajar ao redor do mundo com um laptop embaixo do braço para investigar a história dos protocolos. Seis anos depois, publicou seu best-seller ("sem notas de rodapé, sem linguagem acadêmica, para ser lido").
"Lidei com muitos fatos enquanto era juíza, e sei que os fatos são importantes", diz à reportagem. "Mas o que fazer quando os fatos são pervertidos? A única solução é dizermos a verdade."
Cátedra
A publicação de "A Força da Mentira" foi financiada coletivamente a partir de um projeto da jornalista brasileira Miriam Sanger, baseada em Israel. O livro faz parte de uma nova linha da Educ dedicada a temas judaicos -a PUC-SP tem há sete anos uma cátedra nessa área.
O presidente da cátedra, José Luiz Goldfarb, que também chefia a editora, foi dono da icônica livraria Belas Artes, fechada em 2006. Ele se lembra de quando "pessoas sacanas entravam pedindo o livro". "Faziam como provocação, para que eu tivesse a obra nas prateleiras."
"Descobri que 'A Força da Mentira' tinha essa pegada 'fake news' e me apaixonei pelo tema", diz. "'Uma mentira como a dos protocolos teve um impacto enorme na história do século 20."
A obra da juíza Ben-Itto, nesse sentido, trata da persistência dessas falsidades. Os protocolos, afinal, ainda estão à venda -a descrição da obra na loja da Amazon não explicita que a história é falta, e diz que "o leitor poderá elaborar a sua própria conclusão".
"Por mais que uma mentira seja desmentida, ela sobrevive", diz Goldfarb, que nos anos 1980 decidiu não vender os protocolos em sua livraria. Há então o debate: "Será que a liberdade de expressão se sobrepõe a um discurso mais efetivo do que as armas?"
Lançamento
A tradução para o português de "A Força da Mentira" será lançada nesta quarta-feira (22), no final do evento "O mundo depois do Holocausto: direitos humanos e direitos nacionais", que comemora os sete anos da Cátedra de Cultura Judaica da PUC-SP.
Antes do lançamento, às 16h, haverá duas mesas redondas -uma às 10h30, com Cláudia Costin (FGV-RJ) e Mária Luiza Tucci Carneiro (USP), e outra às 14h, com Michel Gherman (UFRJ) e Guilherme Casarães (FGV-SP).
O evento, gratuito, será realizado no auditório 239 do Edifício Reitor Bandeira de Mello (r. Ministro Godói, 969, Perdizes). Para as palestras, os organizadores recomendam aos interessados se inscreverem no site.
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