“Uma obra de arte não responde a perguntas, ela as provoca.” Essa frase, cunhada pelo regente americano Leonard Bernstein, abre e sintetiza bem o espírito do filme Maestro, lançado pela Netflix em 20 de dezembro. Depois de Nasce uma Estrela, de 2018, o longa é a segunda incursão como diretor de Bradley Cooper, galã de 48 anos que usa um nariz falso para trazer à vida “Lenny”, como era conhecido Bernstein por seus amigos.
Diferentemente de outras cinebiografias que tentam resumir a história de um determinado artista com a recriação exata de momentos falsamente gloriosos (vide Bohemian Rhapsody), Maestro não se preocupa em focar marcos da carreira do também compositor e pianista.
Embora estejam lá, como sua estreia como regente da Filarmônica de Nova York, essas passagens são meros detalhes para construir um panorama de sua personalidade a partir da mistura de suas maiores paixões: a música e a esposa, a atriz Felicia Montealegre Cohn.
O primeiro quesito era inevitável. Além de conduzir grandiosas orquestras que tocaram obras de Beethoven, Wagner e Strauss, Bernstein se consagrou como uma figura ímpar na música americana por compor peças que até hoje são imbatíveis, como o musical West Side Story ou a ópera A Quiet Place, integrantes da trilha sonora do longa dirigido por Cooper. Mas a criação dessas pepitas não é esmiuçada da mesma forma que vemos Your Song nascer em Rocketman, cinebiografia sobre Elton John. Então, se você é fã de Bernstein e esperava uma película dedicada apenas ao seu processo criativo, Maestro tem tudo para te decepcionar.
Uma vida dupla
Com a música de fundo, sobra para a trama se basear, principalmente, no relacionamento com Felicia, que não é lá das escolhas mais óbvias para quem é familiarizado com a biografia do maestro. Apesar de ter sido casado entre 1951 e 1978, até a morte dela, Bernstein vivia tendo casos com homens e chegou a abandoná-la em 1976, voltando para casa apenas quando ficou sabendo do diagnóstico de câncer pulmonar dela.
Na vida real, a sexualidade e a indecisão do maestro até renderam uma dura carta da esposa frustrada, dizendo: “Você é homossexual, nunca mudará – você não admite a possibilidade de uma vida dupla, mas se a sua paz de espírito, a sua saúde e todo o seu sistema nervoso dependem de um determinado padrão sexual, o que você pode fazer?”
O drama do filme é todo construído em como um casal aparentemente feliz e perfeito acabou se separando graças ao incômodo crescente da esposa, interpretada por Carey Mulligan, e o medo do condutor em se assumir. Essa escolha, mesmo que triste, ajuda os atores a brilharem no roteiro, claramente mais interessado em explorar a complexidade dos sentimentos humanos do que contar a história de Bernstein.
Mas tudo bem, afinal, até o fim da vida, o regente se mostrava inconstante e sempre mencionava Felicia como seu porto seguro (mesmo com as derrocadas ao longo do relacionamento). A abordagem também funciona se considerarmos que Maestro tem início com a citação de Bernstein para escancarar que não quer trazer respostas, mas provocar perguntas.
Vá de Tár
Vale notar que toda a trajetória do casal é retratada com muita beleza. Em uma cena ambientada nos anos 40, por exemplo, Lenny e Felicia participam de uma sequência em preto e branco com uma abordagem bastante fantasiosa, retratando o crescimento da paixão enquanto são engolidos por um número de musical. Esse momento revela o amadurecimento de Cooper atrás das câmeras.
Ao longo de outras cenas, que se passam em diferentes períodos entre 1943 e 1987, o diretor de Maestro também se destaca pela atuação, cumprindo a difícil tarefa de fazer o espectador esquecer da prótese de nariz que quase cancelou o ator durante duas horas de filme. A excelência interpretativa de Cooper em nada surpreende, uma vez que ele já coleciona nove indicações ao Oscar em sua carreira.
Graças a esse cuidado de Cooper com o cinema como arte, além de sua abordagem fora do convencional para cinebiografias musicais, não é difícil imaginar que Maestro vire um queridinho da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas no Oscar de 2024. Mas, para fãs de música, o foco exagerado nos relacionamentos pessoais e sexuais de Bernstein pode gerar uma grande decepção. Melhor assistir a Tár, que faz um ótimo trabalho em mostrar o suor e sofrimento por trás do trabalho de reger uma orquestra e ainda homenageia Bernstein (a protagonista ficcional Lydia Tár teria sido sua pupila ao dar os primeiros passos no mundo erudito).