“Não há nada mais nobre do que o sacrifício”. A frase presente em Matar um Tigre permeia toda a sua construção narrativa. A premissa fica mais dolorosa quando descobrimos do que se trata o filme, disponível no catálogo da Netflix e um dos indicados ao prêmio de Melhor Documentário em Longa-metragem na última cerimônia do Oscar (a categoria foi vencida pelo ucraniano 20 Dias em Mariupol). A obra narra a história de uma garota indiana de 13 anos que foi violada sexualmente e agredida por três homens em uma festa de casamento de sua família – sendo um dos homens primo dela.
A primeira vez que escutamos a jornada de Kiran (pseudônimo escolhido para preservar a identidade da vítima) é pelo próprio pai da garota. O agricultor Ranjit, em poucos segundos em frente à câmera, transforma-se no protagonista da história, que nasce dessa revolta com o fato ocorrido com sua filha e se desenrola de forma inacreditável.
A luta de Ranjit não é só para prender os agressores de Kiran, e sim evitar que ela seja forçada a casar-se com um deles. Essa seria a solução para tirar a “mancha” do nome da garota, de acordo com os moradores da pequena vila em que eles sempre moraram. O povoado culpa tanto a vítima quanto o pai, que teria sido incapaz de proteger sua honra. A discussão cresce e ganha apoio de ativistas como a Fundação Srijan, uma ONG dedicada a sensibilizar homens e rapazes sobre os direitos das mulheres, que ajuda o pai a levar a verdade aos tribunais.
É importante apontar que, de início, a cineasta canadense Nisha Pahuja tinha a intenção de ocultar o rosto de Kiran para proteger sua identidade. Contudo, perto do lançamento de Matar um Tigre e já aos 18 anos, Kiran insistiu em revelar sua face, rejeitando se esconder ou sentir vergonha por algo que não era sua culpa. Essa escolha feita pela garota é um ponto decisivo do longa, que faz com que ela não seja apenas uma vítima da situação e, sim, agora já uma mulher capaz de tomar suas próprias decisões.
A luta e a insistência da família não foram em vão. Depois de um julgamento de quatro meses, a história tomou um rumo sem precedentes na Índia. O juiz do caso surpreendeu o país com uma decisão histórica: a pena de prisão mais longa já dada por estupro em Jharkhand. A sentença foi de 25 anos de reclusão para cada um dos três agressores. Em um país em que uma mulher é estuprada a cada 20 minutos, o caso abriu um novo precedente no sistema judicial indiano, fazendo do sacrifício de Kiran uma história que precisa ser ouvida.