A ponte da Enterprise original ficou um pouco mais vazia na semana passada, com a morte de Nichelle Nichols aos 89 anos. Nichols interpretou a oficial da Frota Estelar Nyota Uhura na primeira série de TV “Star Trek” e em vários filmes subsequentes. As homenagens a ela não param de chegar, e com razão.
De uma forma confiante, mas despretensiosa, Nichols se tornou uma parte essencial da visão do criador da série, Gene Roddenberry, de um futuro mais inclusivo para a humanidade (um aspecto admirável da visão do programa, mesmo que outras partes de sua “utopia” sejam mais suspeitas). Isso não foi tarefa fácil, já que “Star Trek” estreou logo após a importante legislação sobre direitos civis desafiar a segregação apoiada pelo Estado há muito dominante no sul dos Estados Unidos.
Como Uhura, Nichols interpretou um dos primeiros papéis femininos negros de destaque na televisão americana; ela foi citada por muitos como inspiração. Ela até protagonizou um dos primeiros beijos inter-raciais da TV americana, com o coprotagonista William Shatner (o Capitão Kirk). Os executivos da emissora estavam nervosos com a cena e queriam fazer uma tomada sem o beijo apenas por precaução, mas os dois atores estragaram intencionalmente todas as tomadas sem ele.
Alguns atores de “Star Trek” tiveram uma relação ambígua com o estrelato que conquistaram por terem participado da série (algo ridicularizado por meio do personagem Alexander Dane, interpretado por Alan Rickman, na adorável paródia “Galaxy Quest”). Leonard Nimoy, também conhecido como Spock, lançou uma autobiografia na década de 1970 com o título “Eu Não Sou Spock” (a sequência, de 1995, foi intitulada “Eu Sou Spock”).
Para Nichols, esse momento veio no início da série. Quando começou a pensar em desistir do programa, ela avisou Roddenberry e depois participou de um evento de arrecadação de fundos para a Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP, na sigla em inglês), onde lhe disseram que alguém que dizia ser seu “maior fã” queria conhecê-la.
Esperando um Trekkie mais estereotipado, ela ficou surpresa ao ver Martin Luther King Jr., aparentemente um ávido telespectador de “Star Trek”, que estava empolgado com sua performance como Uhura. Aqui está o resto da história, relatada por ela em uma entrevista em 2011:
“Eu fiquei sem palavras. Ele me elogiou pela maneira como interpretei o personagem. Agradeci a ele e acho que disse algo como, ‘Dr. King, gostaria de participar das manifestações com você’. Ele disse, ‘Não, não, não. Não, você não entende. Não precisamos de você nas manifestações. Você está se manifestando. Você está espelhando aquilo pelo que estamos lutando’. Então, eu disse a ele, ‘Muito obrigado. E eu vou sentir falta dos meus colegas de elenco’.
Ele ficou com uma expressão muito, muito séria. Ele perguntou, ‘Do que você está falando?’. E eu disse, ‘Bem, eu disse a Gene ontem que vou deixar a série após o primeiro ano porque me ofereceram...’ – ele me interrompeu e disse: ‘Você não pode fazer isso’. E eu fiquei atordoada. Ele disse, ‘Você não entende o que esse homem conseguiu? Pela primeira vez, estamos sendo vistos em todo o mundo como deveríamos ser vistos. Sabe, este é o único programa de TV que minha esposa, Coretta, e eu permitimos que nossos filhos pequenos fiquem acordados para assistir’.”
Uhura, é claro, permaneceu a bordo da Enterprise, tornando-se uma parte essencial da série, dos filmes e mídias relacionados. Embora ela tenha aceitado a fama única que veio da associação com “Star Trek”, também foi capaz de tirar sarro dela, como fez em um hilário episódio da série “Futurama” intitulado “Aonde Nenhum Fã Foi Antes”.
Ser parte fundamental de uma das franquias de cultura pop mais bem-sucedidas de todos os tempos e ajudar a quebrar barreiras de preconceito e desentendimentos entre companheiros terráqueos – é um legado e tanto, pelo qual alguém merece viver uma vida longa e próspera.
Jack Butler é editor do site da National Review.
© 2022 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
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