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Tom Wolfe em 1961, quando trabalhava para o Washington Post | The Washington Post/The Washington Post
Tom Wolfe em 1961, quando trabalhava para o Washington Post| Foto: The Washington Post/The Washington Post

O nascimento do movimento literário conhecido como Novo Jornalismo pode ser atribuído a um episódio movido a café em 1963: uma noite em claro de Tom Wolfe. Ele havia sido enviado para a Califórnia pela revista Esquire para escrever sobre um encontro de designers de carros personalizados e adolescentes casualmente descolados. 

Fotos de carros envernizados foram colocadas nas páginas, e a revista estava prestes a ser impressa, mas Wolfe não conseguiu completar sua primeira pauta para a revista Esquire. Finalmente, o editor-gerente Byron Dobell disse-lhe para escrever suas anotações como um memorando, que os editores as transformariam em uma matéria. 

Wolfe começou a digitar às 20:00. 

"Fechei o memorando às 6h15 da manhã", ele escreveu depois, "e a essa hora ele tinha 49 páginas. Eu o levei para a Esquire assim que eles abriram, por volta das 9:30. Às 16h, recebi uma ligação de Byron Dobell. Ele me disse que estavam eliminando o "Dear Byron" no topo do memorando e publicando todo o resto na revista." 

A matéria, "There Goes (Varoom! Varoom!) That Kandy Kolored (Thphhhhhh!) Tangerine-Flake Streamline Baby", foi mais do que um relatório sobre a convenção de carros. O Sr. Wolfe havia descoberto uma cultura underground entre os projetistas de carros da Costa Oeste, saudando-os como a vanguarda de uma nova forma de arte moderna, não muito diferente de Picasso. 

"Eu não tenho que insistir no fato de que os carros significam mais para esses garotos do que a arquitetura significava no grande século formal da Europa, de 1750 a 1850", escreveu ele. "Eles são liberdade, estilo, sexo, poder, movimento, cor – tudo está bem aqui." 

Raramente o jornalismo via uma exibição tão audaciosa de observação, humor irônico e destreza verbal com lustre barroco. Wolfe inventou palavras, escreveu o ponto de vista de seus personagens e apimentou suas páginas com elipses, itálicos e pontos de exclamação. 

Dessa maneira, a lenda de Tom Wolfe nasceu. 

"Foi como se ele tivesse descoberto tudo no meio da noite", disse Dobell à Vanity Fair em 2015. "De onde quer que viesse, pareceu-me explorar uma linha de puro humor americano que não estava sendo abordada." 

Prosa explosiva

Wolfe, que teve um efeito transformador no jornalismo e mais tarde se tornou um escritor de sucesso, morreu em 14 de maio em um hospital de Manhattan. Ele tinha 88 anos. Sua agente, Lynn Nesbit, confirmou a morte à Associated Press, mas nenhuma outra informação estava imediatamente disponível. 

Em 1963, Wolfe era um repórter pouco conhecido no New York Herald Tribune. Menos de dois anos depois, quando foi publicada sua primeira coleção, “The Kandy-Kolored Tangerine-Flake Streamline Baby”, ele era um dos mais famosos e influentes escritores de sua geração. 

Seus livros se tornaram best sellers, e sua prosa explosiva e veloz foi vista como o veículo perfeito para os tempos modernos. Ele inventou ou popularizou frases como “good old boy” [bom velhinho], “radical chic” [radical chique], “Me Decade” [a Década Eu] (às vezes alterada para "Geração Eu") e "pushing the envelope" [ampliar as fronteiras]; 

Talvez sua obra mais memorável tenha sido o título do que muitas vezes é considerado sua maior conquista: “The Right Stuff” [Os Eleitos — Onde o Futuro Começa]. Publicado em 1979, o livro foi um relato épico da ideia do heroísmo americano, visto pelas façanhas de pilotos de testes militares e astronautas. 

Wolfe narrou a ascensão da geração hippie no “The Electric Kool-Aid Acid Test” [O Teste do Ácido do Refresco Elétrico] (1968), ridicularizou as pretensões dos progressistas de Manhattan em “Radical Chic” [Radical Chique e o Novo Jornalismo] (1970) e do mundo da arte em “The Painted Word” ( 1975). Ele violou alegremente o dito do editor da cidade de aparar cada frase até chegar a uma pepita de notícias compacta e elegante: para Wolfe, nenhuma extravagância verbal era demais. 

"O jornalismo americano nunca teve um praticante que combinasse os atributos de talento, audácia, aprendizado, apuração e pura observação, tão bem como Tom Wolfe", escreveu o escritor e acadêmico Ben Yagoda em "The Art of Fact", uma antologia da narrativa de não –ficção de 1997. 

Técnicas de ficção

Wolfe foi considerado o líder de uma vanguarda pintada de tinta que incluía Jimmy Breslin, Joan Didion, George Plimpton, Gay Talese e Hunter S. Thompson. O estilo pessoal e imersivo deles foi imitado, com vários graus de sucesso, em praticamente todas as seções de reportagens do país. 

"A literatura mais importante que está sendo escrita nos Estados Unidos hoje é a de não-ficção", afirmou Wolfe em sua antologia de 1973, "The New Journalism", que se tornou a norma, embora prosaica, para seu estilo de escrita. 

Ele pegou emprestadas certas técnicas de ficção, incluindo caracterização e diálogo, mas sabia que o jornalismo tinha algo mais a seu favor: “o simples fato de o leitor saber que tudo isso realmente aconteceu”. 

Em quase tudo o que ele escreveu, Wolfe examinou o que chamou de "detalhes de status" — os pontos mais delicados de comportamento, tendências, moda e busca de prestígio que, em sua opinião, moldavam a ordem social americana. Adolescentes mal-humorados, bons garotos do Sul, artistas urbanos, pilotos de teste de elite – todos se mediam pelo que seus colegas pensavam deles. (Talvez como um marcador de seu próprio status, Wolfe pronunciava a palavra “stay-tus”). 

Apesar das frequentes aparições na televisão e nos campi universitários, Wolfe permaneceu curiosamente opaco. Ele não era um renegado adepto a pílulas e armas, como Thompson; ele não se interessou por Hollywood, como Didion; ele não era um anfitrião de festa, como Plimpton; e ele não era um marido serial com uma veia violenta, como o romancista e recém Novo Jornalista Norman Mailer. 

Em vez disso, ele cultivava a imagem de sulista excêntrico e educado que – não importando o doutorado de Yale e ternos brancos espalhafatosos – ficava boquiaberto com o espetáculo maravilhoso da América na década de 1960 e além. Ele resistiu a qualquer tentativa de ser retratado, como o título de seu segundo romance descreve, como "A Man in Full" [Um Homem por Inteiro]. 

Ser um repórter 

A maior questão em torno dos métodos de Wolfe foi a mais simples: como ele conseguiu ganhar a confiança de grupos tão díspares como moonshiners do Sul, fanáticos por carros, socialites, hippies e astronautas? 

Pelo seu relato, foi simplesmente por sair, assistir e ouvir – em outras palavras, sendo um repórter. 

O designer de carros personalizados George Barris disse que Wolfe estava por perto tanto que “chegou a ir até a minha casa e preparou o jantar com minha esposa”. 

Ele adentrou o mundo do motorista de stock cars Junior Johnson – a figura do título de um artigo de 20 mil palavras da Esquire, “The Last American Hero” – tão completamente que chegou a descrever as galinhas andando pelo quintal de Johnson em Ingle Hollow. 

No apartamento da Park Avenue do maestro Leonard Bernstein, Wolfe capturou a desajeitada dança social entre progressistas da uptown e militantes Pantera Negra endurecidos pelas ruas com a duradoura expressão “radical chique”. 

Em 1966, Wolfe subiu a bordo de um ônibus com um grupo de hippies tomadores de LSD, liderado por Ken Kesey, autor de “Um Estranho no Ninho”. Os Merry Pranksters, como se denominavam, viajavam pelo Oeste em busca de iluminação, mas muitas vezes tropeçavam em infortúnios e humor não intencional. 

Em "The Electric Kool-Aid Acid Test", Wolfe descreveu uma cena surreal quando um policial parou o ônibus enquanto um grande incêndio florestal acontecia. 

"A essa altura", escreveu Wolfe, "todo mundo está fora do ônibus rolando na grama marrom, rindo, gritando e ligado aos céus pelo ácido, porque a floresta está queimando, o mundo inteiro está em chamas. . . E o policial, tudo que ele pode ver é um bando de loucos em espalhafatosos trajes laranja e verde, máscaras, meninos e meninas, homens e mulheres, doze ou quatorze deles, deitados na grama e fazendo sons horrivelmente loucos. . . Então ele se move ao redor e diz: "O que vocês são... artistas?" 

Wolfe foi elogiado pelo romancista Kurt Vonnegut – "um gênio que fará qualquer coisa para chamar a atenção" – e pelo poeta Karl Shapiro, que exclamou em uma resenha do Washington Post que o autor "é mais que brilhante. ... Ele é mais do que urbano, suave, vigoroso. ... Tom Wolfe é puro deleite”. 

Os Eleitos

Wolfe passou grande parte da década de 1970 trabalhando em “Os Eleitos”, uma emocionante história do mundo interior dos pilotos de teste e do grupo mais refinado que cresceu a partir deles – os primeiros astronautas do país. Reduziu sua costumeira sátira e escárnio, adotando um estilo relativamente sóbrio condizente com seu assunto maior: o que é preciso para ser um herói. 

“Essa qualidade, esse ‘quê’, nunca foi nomeada, nem foi falada de forma alguma”, ele escreveu. “A ideia era provar a cada pé do caminho até o alto daquela pirâmide que você era um dos eleitos e ungidos que tinha a coisa certa e poderia mover-se cada vez mais alto e até mesmo – por fim, se Deus quisesse, um dia – que você pudesse ser capaz de se unir àqueles poucos especiais no topo, aquela elite que tinha a capacidade de trazer lágrimas aos olhos dos homens, a própria Irmandade dos Eleitos em si.” 

O livro ganhou o American Book Award, tornou-se um best seller e foi transformado em um filme de 1983 com Sam Shepard e Ed Harris. 

“Não importa o jornalismo, novo ou velho”, escreveu o autor Michael Lewis na Vanity Fair em 2015. “'Os Eleitos', em minha opinião, é um ótimo trabalho da literatura americana.” 

“Quem, em nome de Deus, é este?” 

Thomas Kennerly Wolfe Jr. nasceu em 2 de março de 1930, em Richmond. Seu pai era engenheiro agrônomo e editava a Southern Planter, uma revista para agricultores. Sua mãe era uma dona de casa com interesses artísticos variados. 

Na Universidade Washington & Lee, em Lexington, Virgínia, onde se formou em 1951, Wolfe escreveu para publicações escolares. Ele também foi para o time de beisebol e uma vez fez um teste para entrar nos New York Giants. 

Na pós-graduação da Yale University, sua dissertação sobre influências comunistas em escritores americanos foi inicialmente rejeitada em parte por causa de seu estilo de atrair a atenção. Ele a reescreveu em prosa acadêmica seca – incluindo uma referência a "um escritor americano E. Hemingway" – e recebeu um doutorado em estudos americanos em 1957. 

Rejeitando a academia, Wolfe brincou com a ideia de se tornar um cartunista antes de se tornar um repórter de jornal, primeiro em Springfield, Massachusetts, e de 1959 a 1962 no The Post. 

No The Post, ele não tinha interesse na cobertura nacional de alto nível, preferindo cobrir histórias locais peculiares, com uma sugestão do estilo despreocupado prestes a vir. Ele então se juntou ao Herald Tribune, um jornal em dificuldades com uma tradição de escrita elegante. O editor da revista de domingo do jornal, Clay Felker, encorajou Wolfe a buscar as histórias – e o estilo – que ele queria. 

Determinado a se destacar de outras maneiras, o elegante Wolfe, que tinha 1,80m, tornou-se um conspícuo dandy, vestindo ternos sob medida, muitas vezes em branco ou em tons pastéis. 

"Eu só quero ter certeza", ele disse, "que quando eu entre em uma sala, todo mundo lá se vire e diga: 'Quem em nome de Deus é este?'” 

Uma greve de quatro meses dos jornais permitiu que Wolfe escrevesse suas primeiras matérias para a revista Esquire. Quando a greve foi resolvida, em maio de 1963, Wolfe prosperou, escrevendo histórias para o jornal e viajando aos fins de semana para a revista Esquire. Depois que o Herald Tribune fechou em 1967, Felker lançou a revista New York, que se tornou uma vitrine para Wolfe. 

Seu estilo era tão impressionante que mascarou o que não estava lá: ao longo dos turbulentos anos 60 e 70, ele evitou escrever sobre a guerra no Vietnã, direitos civis, movimento feminista, política externa ou política. Ele raramente escrevia sobre celebridades. 

"Eu temia que os leitores gostassem das matérias por causa de seus personagens", disse ele ao Post em 1979, "e não por causa da minha escrita". 

Acima de tudo, Wolfe nunca escreveu sobre si mesmo. 

Quando se casou pela primeira e única vez aos 48 anos, pegou muitos de surpresa, no mínimo porque ele era tão discreto quanto a sua vida pessoal. 

Entre as pessoas que ele deixou, estão sua esposa, Sheila Berger, ex-diretora de arte da revista Harper, de Nova York; dois filhos, a jornalista Alexandra Wolfe, de Nova York, e o designer de móveis Tommy Wolfe, do Brooklyn; e uma irmã. 

Fogueira das Vaidades

Durante anos, Wolfe menosprezou o romance moderno como uma relíquia sem vida que só poderia ser revivida com uma estrutura forte de reportagem e realismo social. Decidido a fazer o trabalho ele mesmo, ele publicou "A Fogueira das Vaidades" na revista Rolling Stone, então, depois de uma revisão considerável, em forma de livro em 1987. 

O romance descreve a vitória de um rico comerciante de títulos e autoproclamado "mestre do universo ”- outro termo cunhado por Wolfe – em meio ao tumulto racial e cultural de Nova York. O livro vendeu milhões de cópias e foi transformado em um filme de 1990 com Tom Hanks, Melanie Griffith e Bruce Willis. 

Em muitos aspectos, "A Fogueira das Vaidades" foi seu último triunfo literário. Seus livros sobre arte e arquitetura, incluindo “Da Bauhaus ao nosso Caos” (1981), receberam críticas mordazes, incluindo essa de Michael Sorkin no Nation: “O que Tom Wolfe não sabe sobre arquitetura moderna poderia preencher um livro. E assim realmente aconteceu”. 

Wolfe recebeu a Medalha Nacional de Humanidades do presidente George W. Bush em 2001 e vendeu seus arquivos à Biblioteca Pública de Nova York em 2013 por US$ 2 milhões. 

Seus romances posteriores – “Um Homem por Inteiro” (1998), “Eu Sou Charlotte Simmons” (2004) e “Sangue na Veia” (2012) – foram recebidos sem entusiasmo. Ele brigou com os romancistas John Updike e John Irving sobre os comentários desdenhosos que ambos fizeram sobre sua ficção. Ele continuou a publicar livros de não-ficção aos 80 anos, com os críticos observando que ele muitas vezes criticava os absurdos da esquerda, mas nunca a bufonaria da direita. 

O que não lhe faltava era a confiança no poder de sua prosa. 

“Eu me considero parte do primeiro time de escritores, mas não me preocupo sobre isso”, disse Wolfe em 1981. “Quando muito, acho que costumo ser um pouco modesto”.

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