“Acabei de descobrir que o velho desgraçado infeliz do Morrissey vai fazer show” e “Se mata Morrissey, queremos Johnny Marr”. Estes são apenas dois exemplos das reações diversas que tomaram as redes sociais após o anúncio da turnê do ex-vocalista do The Smiths pelo Brasil (o Johnny Marr citado foi o guitarrista da banda). Uma vez ícone da juventude, cantando músicas recheadas de sarcasmo sobre temas como veganismo, monarquia e amor para introvertidos, o cantor hoje é tratado pelos jovens como um pária no nível de Kanye West, J.K. Rowling e outros célebres cancelados. Muitos desses mesmos críticos ainda escutam canções como There Is a Light that Never Goes Out e Suedehead “no sigilo”, conforme também assumiram em postagens após a divulgação dos shows do músico no país. Mas o que aconteceu com a imagem de Morrissey para que esses fãs, se é que podem ser chamados assim, tenham medo de ir ao show e se queimarem com seus pares?
Provocador e pensador independente, Morrissey sempre se posicionou politicamente e evitou adotar uma única bandeira política. O britânico, hoje com 64 anos, já teceu comentários contra o reinado de Elizabeth II, contra Margaret Tatcher e até abandonou um show no festival Coachella por sentir cheiro de carne queimada (ele não permite que os estabelecimentos vendam alimentos com carne durante suas apresentações). Posições do tipo, sintetizadas em nomes de discos como Meat Is Murder e The Queen Is Dead, naturalmente aproximaram Morrissey de uma visão mais à esquerda ao longo de sua carreira de quatro décadas. E é por isso que uma parcela dos fãs dos Smiths e de sua carreira solo se revoltou quando, em 2018, Moz (como é apelidado) apoiou publicamente o For Britain Movement, partido associado à direita no Reino Unido.
Convicção em suas ideias
“O Reino Unido é um lugar perigosamente odioso atualmente, e acredito que alguém precisa parar com essa loucura e falar por todos”, disse o cantor, em uma entrevista ao site NME, em 2019, reforçando seu apoio ao partido. A principal bandeira do For Britain, dissolvido em 2022, era proteger a macrorregião das decisões autoritárias da União Europeia e do perigo de alguns valores islâmicos que poderiam instigar o terrorismo jihadista. Para Morrissey, apoiar essa visão certamente o aproximava de pautas já clássicas dele: o amor velado por sua terra natal e o veganismo – afinal, não é o abate halal que exige a degola do pescoço de um animal?
Seu posicionamento genuíno, mesmo que em linha com convicções apresentadas em seus mais de 20 discos desde 1984, foi o que levou os jovens de 2023 e pessoas que envelheceram mal a classificar o cantor como “racista”, “fascista”, além de desejar sua morte. Diferentemente de outros artistas que caíram em desgraça após alguma declaração ou atividade suspeita, Morrissey nunca voltou atrás para satisfazer patrulha ideológica ou pediu desculpas para ter novamente uma grande aceitação como nos anos 80 e 90.
“Como um suposto artista, eu sinto que, aparentemente, não tenho direitos por estar me posicionando”, ironizou na citada entrevista, ao mesmo tempo em que mostrou não se importar muito com os xingamentos recém-adotados por brasileiros. “Quando você chama alguém de racista no Reino Unido dos dias atuais, está deixando todos saberem que não tem mais argumentos. Está encerrando o debate e fugindo. Essa palavra não tem mais sentido.”
Cachorro sem coleira
Desde o início do seu cancelamento, em 2018, Moz lançou dois discos, California Son e o poderoso I Am Not a Dog on a Chain. Este último, o mais ferino dos dois, é um claro posicionamento contra tudo que aconteceu com ele, mas também uma aceitação de que isso não o afetará na vontade de cantar e fazer música. “Eu não sou um cachorro acorrentado, eu uso meu próprio cérebro”, canta na abertura da inspirada faixa-título, que deveria se tornar mantra para muita gente.
Sua carreira só passou a ser afetada financeiramente a partir deste ponto, principalmente após anunciar, em 2022, que lançaria o álbum Bonfire of Teenagers. O trabalho era muito aguardado pelos verdadeiros fãs e até prometia a participação de artistas como Miley Cyrus, Iggy Pop e três membros do Red Hot Chili Peppers. Tudo ruiu quando Morrissey travou uma briga com sua gravadora, a Capitol Records, e o disco acabou engavetado por ela após a quebra do contrato. A coisa ficou ainda mais feia depois, quando foi revelado que Miley pediu a retirada de seus vocais do disco; provavelmente, em uma escolha muito mais ligada ao marketing do que à arte. O único sinal de vida que sobrou do projeto foi o single Rebels Without Applause, uma pérola recente em sua vasta discografia.
Resistindo a esse cancelamento absurdo, o eterno líder dos Smiths decidiu virar a página e gravou outro disco em fevereiro deste ano. Agora, busca gravadoras ou investidores dispostos a distribuí-lo de maneira independente e, enquanto isso não acontece, comemorará seus 40 anos de carreira em uma turnê mundial, com datas já anunciadas em São Paulo e Brasília.
Até as apresentações, marcadas para setembro, muito ainda deve ser discutido de maneira rasa em provocações no Twitter. Contudo, para quem ainda gosta do cantor “escondidinho” e está pensando em ir aos shows, fica um aviso: não, ouvir as canções de Morrissey e The Smiths ao vivo e em público não farão de você uma pessoa má, racista ou fascista. Para quem ainda não aprendeu, é possível apreciar boas composições sem concordar com o artista e algumas de suas letras e sua visão de mundo. The Boy with the Thorn in His Side continuará sendo uma música linda, mesmo que seu autor venha a proferir realmente alguma asneira.
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