Entre junho de 1969 e junho de 1974, Elton John lançou os LPs que continham as músicas Skyline Pigeon, Your Song, Tiny Dancer, Honky Cat, Rocket Man, Daniel, Crocodile Rock, Candle in the Wind, Bennie and the Jets, Goodbye Yellow Brick Road, Saturday Night’s Alright for Fighting, The Bitch Is Back e Don’t Let the Sun Go Down on Me. Isso só para citar 13 das canções mais populares que o cantor e pianista levou para as paradas num curto período de cinco anos. Portanto, se você não viveu a época ou pesquisou pouco, saiba que o inglês foi um fenômeno desse vulto, o que justifica o interesse pelo documentário que chegou há poucas semanas no Disney+.
Elton John: Never Too Late faz pela obra do artista o que Rocketman não foi capaz. Por se tratar de uma biografia musical que muitas vezes usava novas versões dos sucessos com o ator Taron Egerton assumindo o vocal, o filme de 2019 passou longe de ser uma unanimidade, mesmo com toda a expectativa criada e a porteira aberta por Bohemian Rhapsody, que contou a saga do Queen no ano anterior. Agora, sim, temos um produto que dá a exata dimensão de Elton e seu parceiro letrista Bernie Taupin para a música pop e, especialmente, para os anos 1970.
A direção é dividida entre o experiente documentarista RJ Cutler e o empresário e companheiro de Elton há mais de três décadas David Furnish. Isso poderia indicar um trabalho chapa-branca. Mas o cantor e compositor inglês não é de esconder esqueletos no armário nem de aumentar suas glórias. A voz que se ouve narrando o documentário é do próprio artista e do jornalista Alexis Petridis. Há seis anos, eles se juntaram para escrever a biografia de Elton. O áudio das conversas entre eles serve para pontuar as cenas de Never Too Late, que se alternam entre incríveis imagens de arquivo, passagens animadas e registros da última turnê americana do astro, em 2022.
O bacana de mostrar Elton em 2022 é que ele se encaminhou para a aposentadoria vivendo um grande momento comercial – os shows de despedida lotaram e ele vinha de um hit remixado com Dua Lipa, Cold Heart, e outro da mesma espécie criado para ressuscitar a carreira de Britney Spears, Hold Me Closer – e de plena harmonia familiar com Furnish e seus dois filhos. Também há trechos de Elton gravando seu programa de rádio para o Apple Music, o Rocket Hour, no qual ele mostra bandas novas independentes e relembra temas de artistas que marcaram sua vida. O show derradeiro é no estádio dos Los Angeles Dodgers, onde em 1975 ele realizou a grande apresentação de seu auge artístico, tocando para 110 mil fãs numa época em que os espetáculos ao ar livre para multidões ainda eram novidade.
A conexão com John Lennon
A melhor história presente em Never Too Late envolve outra apresentação ao vivo. No Dia de Ação de Graças de 1974, Elton conseguiu levar John Lennon de volta a um palco, mais precisamente o do Madison Square Garden, em Nova York. A participação do beatle era para pagar um trato. Ao participar da gravação de Whatever Gets You Through the Night, Elton apostou que aquela música do amigo chegaria ao topo das paradas. Lennon duvidou, até porque ele nunca tinha conquistado um número 1 como artista solo. Se a faixa explodisse, ele teria de dar uma canja num show de Elton. O que aconteceu: muito nervoso, o ex-beatle foi lá, entoou o dueto de sucesso, Lucy in the Sky with Diamonds e I Saw Her Standing There (originalmente escrita por Paul McCartney).
A apresentação em Nova York, que acabou sendo a última de Lennon, serviu para reuni-lo com Yoko Ono. Separados há dois anos, eles retomaram o romance no camarim do Madison Square Garden e Elton foi chamado para ser padrinho de Sean Ono Lennon, que nasceu no ano seguinte. Já uma aventura mais hedonista com os dois músicos é recriada no documentário por meio de animação. É sobre a vez em que eles estavam muito doidos num quarto de hotel e o artista visual Andy Warhol bateu à porta. Como ele andava sempre com uma máquina fotográfica Polaroid à tiracolo, os parceiros chapados acharam melhor não deixar Warhol entrar e possivelmente clicar aquele momento de embriaguez.
Dito isso, toda a questão de Elton com cocaína e álcool, com a solidão que sentia enquanto era idolatrado por audiências gigantescas e com a rejeição que sentia de seu pai, que nunca chegou a assistir um de seus shows, estão em Never Too Late. Mas nada disso é mais impactante do que ver o nascimento de alguns clássicos de seu repertório, com ele musicando letras fresquinhas de Bernie Taupin e relatando como foram as gravações em seu diário. Por mais que seja lembrado por suas roupas excêntricas e óculos extravagantes, Elton sempre será o melodista privilegiado que chegou onde chegou por suas canções. Meio século depois, elas seguem emocionantes e continuarão ecoando pela eternidade.
- Elton John: Never Too Late
- 2024
- 102 minutos
- Indicado para maiores de 14 anos
- Disponível no Disney+