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Uma jovem com poderes mágicos decide ajudar um cavaleiro que foi injustamente acusado por um crime. Essa é uma forma de descrever a premissa básica de Nimona, desenho que está na corrida pelo Oscar de Melhor Animação e foi lançado pela Netflix, em 2023. Baseado em uma história em quadrinhos de mesmo nome, o longa-metragem tem o seu valor por passar a mensagem de que é importante lutar pela justiça e contra mentiras. No entanto, a obra infantojuvenil, recomendada para maiores de 12 anos, vai além disso e aborda de maneira implícita questões LGBT, característica que surpreende pais desavisados sobre o teor da produção.
A personagem titular é um metamorfo, um ser capaz de se transformar em qualquer coisa, desde um rinoceronte até um ratinho, mas que se contenta em ter a aparência de uma jovem com cabelo vermelho e dentes afiados na maior parte do tempo. Essa sacada, que parece tirada de revistas de super-heróis dos X-Men, é bastante antiga e remonta à mitologia nórdica. Em contos sobre Loki, o deus da trapaça, o personagem altera sua forma para enganar humanos e outros deuses. Mas, diferentemente do mito nórdico, que se identificava como um homem quando não estava se transformando, Nimona se ofende quando ouve a pergunta “o que é você?” e dá uma resposta que está sempre na ponta da língua: “eu sou Nimona!”
Essa maneira de construir a personagem tornou a adaptação do quadrinho para as telas em uma espécie de “alegoria trans”, como define o jornal The New York Times. E essa abordagem não é acidental. ND Stevenson, transex que criou a história publicada originalmente em 2015, confirmou isso para a publicação americana. “Esses temas estão enraizados no quadrinho. Mas demoraria ainda mais alguns anos até que eu me declarasse gay e trans. As narrativas têm sido minha forma de explorar essas identidades, até mesmo como alegorias”, disse. “Nós sabíamos o que estávamos fazendo e o que queríamos dizer com o filme.”
A temática LGBT também aparece nas cenas com o cavaleiro Ballister Boldheart. É ele o acusado de forma injusta de matar a rainha daquele universo, ajudado por Nimona para ser inocentado. Quando finalmente fica com a reputação limpa, o herói se reencontra com Ambrosius Goldenloin, um outro cavaleiro, acontece um beijo entre os dois numa rápida cena do tipo “piscou, perdeu”. A ideia é justamente que aquele não seja um grande momento, mas sim algo corriqueiro para os personagens de Nimona e para o espectador.
Apropriado para crianças?
Apesar da animação ter sido lançada pela Netflix, foi a cena citada acima que fez a Disney receber críticas de todos os lados. O que a companhia do Mickey tem a ver com isso? Bom, foi ela quem financiou pelo menos quatro anos do projeto de adaptação do quadrinho. Desde 2015, a realização estava a cargo do Blue Sky, um estúdio de animação que era controlado pela Fox, canal comprado pela Disney em 2017. Mas o desenvolvimento acabou cancelado pela empresa do rato quando o Blue Sky fechou as portas, em 2021. Nimona foi abandonado e “do nada, 450 pessoas não tinham mais emprego”, como afirmou Stevenson ao The New York Times.
Um funcionário do finado estúdio reclamou em off para a publicação Business Insider, que a Disney “estava incomodada com a cena do beijo” entre os cavaleiros. Não demorou para Nimona ganhar fama por ser “a animação gay que a Disney teve medo de lançar”, como diz uma manchete do jornal IGN. Por outro lado, a empresa foi criticada por meio de reacts conservadores no YouTube. “Isso é apropriado para crianças pequenas?”, questionou o influenciador Ben Shapiro enquanto assistia ao trailer da animação que acabou comprada e finalizada pela Netflix.
A cena polêmica e todo o resto da animação da menina/metamorfo atraíram os jurados da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Se foi pela qualidade da execução ou pelo viés progressista da história, cabe a cada um julgar. A real é que a conquista da estatueta de Melhor Animação não será tarefa fácil. Nimona precisará bater fortes oponentes como o blockbuster Homem-Aranha: Através do Aranhaverso e o japonês O Menino e a Garça, do mestre do anime Hayao Miyazaki, que aos 82 anos largou a aposentadoria e criou mais um espetáculo para fãs do seu clássico A Viagem de Chihiro.