A banda Tuff, uma das últimas a fazer sucesso na cena hard rock da década de 80| Foto: Divulgação
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O rock nasceu nos Estados Unidos nos idos de 1950, praticamente inventando a música jovem, e cunhando seus primeiros ídolos, sendo Elvis Presley o maior de todos. Na década seguinte, o estilo viveu seu auge, com o planeta se curvando a bandas inglesas como Beatles e Rolling Stones. O gênero seguiu pujante nos anos 1970, desdobrando-se em heavy metal, progressivo, punk. Quando a década de 80 começou, as melhores opções no mercado eram derivações do punk, a chamada new wave, que colocou em destaque cabelos curtinhos, linguagem deliberadamente pop e até alguma sofisticação lírica.

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Quem não gostou nada dessa mutação foi a turma que ainda ostentava os cabelos longos cultivados nos anos 70 e que não conseguia separar o rock da tríade formada com sexo e drogas. A maior representação dessa tribo estava concentrada nas ruas e casas de shows de Los Angeles e acaba de ganhar um documentário em três partes no Paramount+ batizado de Nöthin’ but a Good Time, com o subtítulo explicativo A História Não Censurada do Hair Metal dos Anos 80. Mötley Crüe, Poison (cujo primeiro sucesso dá nome à série), Guns N’ Roses e Skid Row são alguns dos heróis em tela. O produto tem até mais valor pelo estudo antropológico do que pelo prazer estético de reviver os rocks farofa e baladas melosas produzidas no período.

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No primeiro capítulo, o espectador conhece a gênese do movimento, com a grande influência exercida pelo Van Halen naquela rapaziada, com o posto de padrinho oficial ocupado por Ozzy Osbourne, que deixava o ocultismo do Black Sabbath para trás e mergulhava de cabeça nos excessos do hard rock oitentista, e com o grande molde sendo fornecido pelo Mötley Crüe, rapidamente replicado por dezenas de conjuntos. Os depoimentos de músicos, promotores, fãs famosos e demais sobreviventes são costurados com imagens de shows lotados e trechos de videoclipes que a novata MTV colocava em alta rotação.

Outro atrativo de Nöthin’ but a Good Time são os causos de bastidores relembrados pelos personagens que viveram aqueles loucos anos. Nessas partes, o diretor Jeff Tremaine, responsável por roteirizar vários filmes da série Jackass, opta por exibir animações das cenas narradas, muitas delas envolvendo consumo excessivo de narcóticos, bebedeiras, brigas, festas com strippers, e até tiros de revólver. O relato mais surpreendente é um que envolve o ícone David Bowie dando em cima da namorada de Axl Rose e depois sendo perseguido pelo cantor da então revelação Guns N’ Roses numa famosa boate californiana. Apesar de divertidas, as histórias são recordadas por senhores sexagenários tatuados (alguns ainda cabeludos) que acreditam terem vivido a melhor época do rock and roll, o que dá uma certa tristeza em quem tem uma boa perspectiva histórica.

Estilo morto, estilo posto

O segundo episódio foca bastante na criação e explosão do Guns, que levou o hair metal onde nenhuma banda havia conseguido. Depois de ser exposto a tantos hits suspeitos do estilo, quem assiste a Nöthin’ but a Good Time e não parou naquele tempo não vê a hora de chegar o terceiro capítulo para ver a cena sendo implodida. E a derrocada ocorreu basicamente por duas frentes. A primeira, musical: o grunge, cuja a Meca era em Seattle, e tinha expoentes como Nirvana e Soundgarden, chegou reinando absoluto no começo dos anos 90, com letras mais sensíveis e visual sóbrio, que evidenciavam o quanto aquele hard rock de L.A. era cafona e tolo. A segunda, audiovisual: o desenho animado Beavis and Butt-Head não perdoava as bandas de laquê e maquiagem e defendia que cool mesmo eram os veteranos do AC/DC e o thrash do Metallica.

Duff, Slash, Axl, Izzy e Steven Adler: o fenômeno Guns N’ Roses em 1987| Foto: Divulgação

Uma das passagens mais reveladoras do impacto dessas novidades noventistas na cena hard rock é vocalizada pelos integrantes da banda Winger, que chegou mais para o fim da festa, ao lado de nulidades como Tuff e Trixter (que têm muito espaço na série, enquanto o Tesla, que era bom de verdade, nem aparece). Eles contam que estavam numa gigantesca turnê para 20 mil pessoas em cada cidade quando um garoto se aproximou do ônibus do grupo com um VHS com episódios de Beavis and Butt-Head gravados. Ali, os músicos descobriram que Stewart, o moleque bobão e careta do seriado, trajava sempre uma camiseta do Winger. Naquela mesma semana, o público da banda começou a definhar. Dias depois, a turnê teve de ser cancelada.

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Tanto o desenho dos dois delinquentes juvenis quanto o Nirvana com seus hinos grunge eram espalhados para o mundo pelo mesmo canal: a MTV. Portanto, é certo dizer que o veículo que viabilizou o hair metal ajudou também a jogar a pá de cal em cima dele, acompanhando a mudança de humor dos anos 90. Mais: foi a própria MTV quem bancou a produção de Nöthin’ but a Good Time. Ou seja, além de ser o retrato de uma era, a série é sobre a força da emissora que erguia e destruía coisas belas (algumas nem tão belas assim).   

  • Nöthin’ but a Good Time: A História Não Censurada do Hair Metal dos Anos 80
  • 2024
  • Três episódios
  • Indicado para maiores de 16 anos
  • Disponível no Paramount+