Cinemas vazios são uma raridade. Mas quando nos referimos a cinemas “vazios” normalmente não estamos usando a palavra em seu sentido literal. Queremos dizer que havia pelo menos meia dúzia de almas perdidas por ali vendo a última joia do cinema independente francês ou uma pérola escondida de algum canto da Ásia.
Nos dias de semana à tarde, quando estamos de folga e nos entregamos a hábitos perdidos na adolescência, é mais comum ganhar uma sala de cinema para chamar de sua. Ou quase sua. Sempre aparecem uma ou duas pessoas para fazer uma companhia solitária e ao mesmo tempo cúmplice, compartilhando o momento especial entre si por meneios tímidos com a cabeça.
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A chance de encontrar um cinema multiplex vazio, ainda mais à noite, no período de férias, é quase a mesma de ganhar na loteria. Aconteceu comigo na última segunda-feira (01). Fui ao UCI Estação depois de sair da Gazeta do Povo e escolhi um filme com uma hora de antecedência, para dar tempo de comer alguma coisa antes.
O escolhido foi “Dois Caras Legais”, com Russel Crowe e Ryan Gosling. Dois Gs e meio na nossa classificação. Mesmo sem necessidade, entrei faltando dez minutos para o filme começar (21h25), para ter a certeza de não perder nenhum trailer. Passa o tempo e nada de gente na sala. Sozinho na oitava poltrona da nona fileira, o começo da projeção soa como uma explosão. “Vão começar o filme só comigo aqui?”
Aí que está o negócio. Tanto faz ter uma, duas, cinco, dez ou 100 pessoas. “Como o equipamento é digital e automatizado, não é mais necessário que fique alguém na projeção”, diz Edson Garcia, gerente do IMAX do cinema Palladium. “Conseguimos programar todas as sessões para começarem em determinado horário.” Alguns cinemas, no entanto, como é o caso do próprio IMAX, prefere deixar um funcionário para evitar surpresas.
Prejuízo
O filme começa no horário, com apenas um espectador: eu. Para o cinema, é prejuízo garantido. Além do público pagante extremamente reduzido, eu nem comprei um dos combos refrigerante+pipoca que são a real fonte de renda dos multiplex. Aliás, mesmo que a sala estivesse lotada, seria preciso que pelo menos 25% dos presentes gastasse na bomboniére para tornar a atividade rentável.
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Não seria então melhor sugerir gentilmente ao solitário espectador escolher outro filme? Elisa Pescador, do Cineplex Novo Batel, descarta a ideia. “Exibimos mesmo que seja só para uma pessoa.” Edson, do IMAX, concorda, como se fosse o guardião de um código de honra dos exibidores de filmes (o que é verdade, de certa forma). “Em hipótese alguma cancelamos ou suspendemos a sessão. Só não é exibida se não houver nenhuma venda de ingresso.”
Arrependimento
Que tal, então, depois de um fiasco desses, cancelar de vez e colocar outro filme no lugar? “Depende se existe contrato. Para conseguirmos alguns filmes é preciso fechar um acordo que exige que ele permaneça com uma sala dedicada por várias semanas. Geralmente é assim com os blockbusters”, revela Elisa Pescador. O contrato estipula até o número mínimo de sessões por dia. “Os filmes independentes, por outro lado, são guiados pela bilheteria. Se não forem bem, saem logo de cartaz.”
Mais sozinho que o Robinson Crusoé, logo bateu o arrependimento pela escolha. E o pior, não tinha ninguém ao meu lado para poder reclamar da qualidade do filme à minha frente. “Dois Caras Legais” é uma tentativa de ressuscitar o humor de filmes como Máquina Mortífera, mas acaba sendo pior que os filmes em que James Belushi contracenava com um cachorro. Com a vantagem que qualquer cachorro tem mais carisma que Ryan Gosling. Da próxima vez que entrar em um cinema e não tiver mais ninguém, talvez a melhor analogia não seja com a sorte de um ganhador da loteria. E sim com o azar de quem tomou um raio na cabeça.
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