A ginasta Simone Biles, que motiva minissérie documental na Netflix| Foto: Divulgação Netflix
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Nesta altura, não há brasileiro que não seja especialista em ginástica artística. Mas, além de testemunharmos as conquistas históricas das ginastas brasileiras nas Olimpíadas de Paris, temos outra oportunidade rara que vale a pena aproveitar, graças à produção em tempo real de um documentário sobre Simone Biles – que dispensa apresentações – enquanto a história retratada ainda estava acontecendo.

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A Netflix está finalizando os últimos dois episódios de O Retorno de Simone Biles, cujos dois primeiros já estão disponíveis na plataforma. Os derradeiros contarão justamente a história da atual Olimpíada. Pela proximidade temporal teremos a oportunidade não apenas de avaliar a fidelidade da obra em relação aos fatos, mas também e principalmente poderemos ter um exemplo claro de como a realidade pode ser “reconstruída” a partir de um ponto de vista ou perspectiva.

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No caso, já ficou claro pelos episódios disponíveis que a obra escolheu contar não apenas uma história do retorno da atleta depois de sua desistência nas Olimpíadas de Tóquio, mas fazendo isso a partir da estrutura da “jornada do herói”, com ela voltando por cima, melhor, mais forte e vitoriosa do que antes. Tudo dependeria, claro, dela realmente se consagrar desta forma em Paris.

Um exemplo do quanto a história já estava pronta, aguardando apenas essa culminação consagradora de Biles, está na publicação antes das provas de fotos do quarto dela em Paris, em que se vê na parede a imagem de uma cabra e, sobre a cama, o mesmo animal em pelúcia. Não, não se trata de nenhum “simbolismo satânico”. É apenas a representação, significando a aceitação da atleta, do que muitos falam dela: Simone seria a GOAT da ginástica artística, palavra que significa “cabra” em inglês mas é também acrônimo de Greatest Of All Time (Melhor de Todos os Tempos).

Um bode brasileiro na sala

Mesmo que seja ou se torne, não é estranho que, depois dos problemas de ordem psicológica que a levaram a perder a confiança e desistir das últimas Olimpíadas, Simone faça algo assim (ou aceite fazer), aumentando o peso sobre si? Em Tóquio, sofreu do que se convencionou chamar de twisties, um fenômeno psicológico que faz com que atletas percam momentaneamente sua noção de espaço. Preferindo preservar sua saúde mental e física, optou por desistir e os dois primeiros episódios contam como se deu isso e o longo tempo de tratamento e retorno, de mais de ano.

Talvez ela fizesse isso – essa exibição nada humilde – mesmo sem documentário algum, mas até pelo que se conhece dela assistindo aos episódios, parece mais algo produzido para a obra. Seja como for, o resultado final nas Olimpíadas não foi exatamente o de uma consagração. Biles ganhou menos do que na sua estreia nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, e ainda teve Rebeca Andrade a igualando, ganhando o mesmo total de medalhas, ainda que a brasileira tenha levado “apenas” uma de ouro, enquanto Biles levou três. Será interessante ver como o documentário tratará os fatos, se insistirá em uma consagração de uma goat.

Além disso, vale assistir a O Retorno de Simone Biles por outras razões. Uma parte relevante, embora pouco explorada, é a história do médico da equipe americana, Larry Nassar, condenado a 175 anos de prisão por abusar sexualmente das atletas (Simone inclusa) durante anos. Para melhor compreensão do que aconteceu e o impacto disso nas ginastas, recomenda-se assistir a outro documentário, Atleta A, produção original da Netflix e disponível na plataforma. Nele, conta-se essa história em detalhes, permitindo compreender melhor um dos componentes centrais para a desistência de Biles nas Olimpíadas de Tóquio.

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Pressão psicológica

Outra parte interessante do documentário sobre Simone, talvez até mais relevante do que seu próprio retorno, é a que retrata uma mudança de mentalidade em curso na preparação de desportistas de alto rendimento. O contraste entre a forma como foi recebida e tratada a desistência de Biles nas Olimpíadas passadas, por motivos psicológicos, com o quanto isso seria impensável e inaceitável décadas atrás, deixa o espectador pensativo, intrigado até.

Por um lado, uma lesão física não suscita questionamentos em uma desistência, mas uma razão psicológica, pelo subjetivismo inerente e não verificável de fato, não é tão simples e fácil de entender e aceitar, como se vê no documentário. Para entender melhor esse drama, vale ir além e assistir a mais um documentário chamado Defying Gravity: The Untold Story of Women’s Gymnastics, divididido em seis episódios, produzido e disponível gratuitamente pelo YouTube. Nele, podemos conhecer melhor esse lado não mostrado da pressão psicológica sofrida pelas atletas da ginástica artística, com relatos de lendas do esporte, como Nadia Comaneci.

Tudo considerado e independentemente do que virá nos últimos dois episódios de O Retorno de Simone Biles, é provável que a atleta entre para a história não apenas como a goat, por suas conquistas, mas também como símbolo dessa mudança de mentalidade e preparação de atletas de alto rendimento, o que certamente também terá seus problemas e desafios que já podem ser antevistos na obra.

Ao leitor imerso no espírito olímpico ou já com saudades das competições da ginástica, fica a recomendação. Nada melhor do que aproveitar o fim de semana para dar esse salto documental para dentro da tela de alto rendimento de sua preferência.