Apesar do trailer prometer um thriller com as típicas reviravoltas do cinema argentino, O Sequestro é um daqueles dramas em que o protagonista vai sendo tragado para o abismo cena após cena, enquanto o espectador clama por sua redenção. O filme, exclusivo do Paramount+, foi uma das produções de 2023 do país vizinho a ser bancada por um grande estúdio e ir para o streaming com grande campanha de marketing. Certamente, os produtores vislumbraram na presença de Rodrigo de la Serna, o Palermo da série La Casa de Papel, um grande chamariz para o êxito do projeto.
Vivendo Julio Levy, de la Serna assume a missão de levar o filme nas costas, com pouca ajuda da claudicante diretora Daniela Goggi. Seu personagem inicia a jornada voltando do exílio com a família para encarar a desafiadora realidade argentina pós-período militar, em meados dos anos 80. A história é livremente inspirada no relato do jornalista Martín Sivak no livro El Salto de Papá, cujo título traz um spoiler. O período é reconstituído com muita eficiência e o que mais chama a atenção são as dezenas de cigarros fumados em cena – a Argentina tinha a fama de ser o país com mais fumantes no mundo, o que o longa representa muito bem com fumaça por todos os lados.
O Sequestro chega a ter um caráter didático, uma vez que esmiúça como foi a transição para a democracia no país, com parte dos militares ainda se segurando em cargos no governo do presidente eleito Raúl Alfonsín, e outra parte, bem mais nociva, usando da antiga estrutura para cometer crimes e manter o status conquistado nos anos do regime. É nesse cenário que o irmão mais velho de Julio é sequestrado, o que acaba definindo o destino de toda a família, em particular, o destino do protagonista.
Caos econômico
Ao voltar para Buenos Aires após anos vivendo em Montevidéu, Julio imaginava retomar os estudos, entre outros sonhos abortados pelo exílio. Mas o fato de ser filho de um banqueiro o leva para dentro da empresa. Pior: com o rapto do irmão mais velho, ele acaba tendo de assumir a presidência da instituição. Enquanto negocia o resgate e precisa lidar com figuras sinistras para tentar recuperar o irmão, Julio vê os negócios irem de mal a pior (mesmo com sua boa ideia de alavancar com créditos bancários a produção dos então desprestigiados vinhos Malbec), num reflexo do caos econômico argentino. Quatro décadas depois, nada mudou...
O filme se estende por todo o emblemático ano de 1985; as buscas a passos morosos fazem com que a tensão entre os familiares nunca cesse. Conclui-se então que o sequestro que dá nome ao filme não se refere somente ao rapto do irmão, mas à vida do infeliz protagonista. Primeiramente, ele foi “sequestrado de seu país”, tendo de se exilar no Uruguai. Ao regressar, teve seus sonhos profissionais sequestrados ao se ver obrigado a tomar conta do banco do pai. E, enfim, sua vida pessoal vira refém da situação imposta, num martírio alongado por mais de ano. Não sem motivo, seus problemas de saúde vão se avolumando e, a partir de um dado momento, ele passa a fazer tudo acompanhado de um assistente psiquiátrico.
São poucos os momentos de alívio nesse pesado drama. A "malandragem" argentina, que rende passagens hilárias em diversos filmes, aqui não tem vez. Mas, para quem conhece pouco do que se deu naquele país entre a ditadura e a restituição do regime democrático, O Sequestro entrega um panorama muito mais fidedigno do que as imagens do povo feliz nas ruas, vibrando com a chegada da nova era. Foi bastante complicado. E mais algumas vítimas ficaram pelo caminho.
Moraes retira sigilo de inquérito que indiciou Bolsonaro e mais 36
Juristas dizem ao STF que mudança no Marco Civil da Internet deveria partir do Congresso
Idade mínima para militares é insuficiente e benefício integral tem de acabar, diz CLP
Processo contra van Hattem é “perseguição política”, diz Procuradoria da Câmara