No mundo do audiovisual, não faltam exemplos de histórias marcantes sobre a guerra do Vietnã. Filmes clássicos como Apocalypse Now, Platoon e Nascido pra Matar são sempre lembrados quando os conflitos naquele país entram em pauta. Não podemos negar, entretanto, que essas obras apresentam visões simplificadas do que foi o embate, privilegiando os Estados Unidos em vez da nação asiática. O Simpatizante, série que faz sucesso no Max (antigo HBO Max), vai na contramão e oferece um ponto de vista complementar sobre o assunto.
Baseada em um livro homônimo, ganhador do Pulitzer da Ficção em 2016, a produção acompanha Capitão, protagonista sem nome que escreve e relata sua trajetória enquanto está preso em um campo de concentração comunista. A trama é contada de maneira não-linear e em ritmo frenético, inicialmente explorando a ligação deste homem com um Vietnã dividido: ele era um espião do Norte (comunista, também conhecido como vietcongue) infiltrado no exército do Sul.
Graças a essa condição, durante os flashbacks, Capitão divide o seu tempo entre atender às ordens de seu superior ao mesmo tempo em que engana um importante general sulista e o FBI para conseguir informações secretas. Como em toda boa história de agentes duplos, o personagem luta constantemente para definir o que é certo e o que é errado nos piores cenários possíveis, como quando precisa acusar uma outra pessoa de ser espiã.
As dificuldades (e duplicidades) do protagonista, vivido pelo australiano Hoa Xuande, também existem pelo fato dele ser um mestiço, meio vietnamita e meio europeu – “talvez francês”, segundo um dos personagens da série. Esse fato é importante, pois influencia muitas das relações e decisões que o levam para a prisão. Construir o Capitão assim é uma ótima sacada. Afinal, mesmo se identificando como um vietcongue, o personagem se sente incomodado por não se encaixar perfeitamente em nenhum dos mundos, criando uma tensão extra para a série.
Suspense com sátira
O primeiro episódio explica muito do contexto histórico do Vietnã, especialmente os dias anteriores à queda de Saigon, momento em que os comunistas conquistaram aquele país e marcou o fim da guerra. Correndo contra o relógio, o protagonista tenta obter o máximo de informações para ajudar nessa “conquista”, além de garantir que o general sulista e sua enorme família sejam levados com sucesso para os EUA – uma tarefa designada para que o Capitão do Norte continue parecendo confiável.
Já os capítulos seguintes, ainda mais agitados, mostram a adaptação dessa comunidade vietnamita na América, enquanto o protagonista vai se aproximando de figuras importantes do novo país: um professor universitário, um político, um agente do FBI e um cineasta inspirado em Francis Ford Coppola. Esses quatro papéis são vividos por Robert Downey Jr., que usa de perucas, barrigas falsas e outros adereços para mudar sua aparência e marcar um golaço após ganhar seu Oscar por Oppenheimer.
A escolha é ousada, mas importante para mostrar que a história contada pelo Capitão no campo de concentração é totalmente enviesada; para ele, todos os americanos são iguais. Além disso, ressalta que o seriado também adota um tom de sátira entre cenas de suspense e drama. É essa mistura que torna O Simpatizante um dos seriados mais diferentes e interessantes do ano, por vezes lembrando alguma produção do diretor e roteirista Adam McKay, mente brilhante por trás de Vice, Não Olhe para Cima e A Grande Aposta.
Mesmo abordando questões ideológicas e até raciais, os sete episódios evitam quaisquer opiniões firmes ou juízos de valor sobre esses temas. O principal foco do roteiro é oferecer uma boa história sobre espionagem e debater a necessidade humana de se identificar com alguma causa. Isso fica claro com o final, que revela o motivo da prisão do Capitão, porém retratando-o como alguém muito mais interessado em viver livre do idealismo que prejudicou sua vida. Para quem gosta de produtos sobre guerra e de suspenses com espionagem, O Simpatizante é uma série obrigatória.
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