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O cineasta inglês Ken Loach é conhecido por mirar sua câmera em questões sociais contemporâneas. Mesmo aos 88 anos, ele não perdeu a esperança de viver num mundo melhor, com condições de trabalho mais dignas e convívio pacífico entre os povos. Após atacar a burocracia do sistema de seguridade social britânico em Eu, Daniel Blake (2016) e criticar a “uberização” em Você Não Estava Aqui (2019), o diretor lança seu olhar na imigração em massa que afeta principalmente o norte do Reino Unido nos dias atuais.
Em cartaz nos cinemas brasileiros desde a semana passada, O Último Pub não é um filme dilacerante e impecavelmente bem escrito como os dois anteriores. No entanto, não dá para negar que ele cumpre o papel de endereçar esse problemaço que é a crise migratória na Europa e até sugere uns caminhos (um tanto utópicos) para que as tensões sejam contornadas. Mesmo quem não pertence à mesma trincheira ideológica de Loach, que nunca escondeu seu pendor para o socialismo, pode sair da sessão de O Último Pub com um bom sentimento dentro do peito – mas isso só depois de assistir a cenas muito tristes de intolerância e injustiça.
O filme abre com um ônibus cheio de refugiados sírios sendo desovados numa pobre cidade inglesa, que viveu dias prósperos numa época em que atraía profissionais da mineração. Uma parte da comunidade local não aguenta mais receber tantos imigrantes, enquanto outra se esforça para recolher mantimentos e dar algum conforto para aquela gente que deixou tudo para trás.
TJ Ballantyne, dono do decadente pub The Old Oak, faz parte do time que tenta contribuir para acolher quem chega, inclusive disponibilizando sua van para fazer carretos. Mas muitos frequentadores de seu bar estão possessos com a situação e pedem para que TJ ceda um espaço anexo para que eles façam uma grande reunião e organizem uma frente contra a chegada de imigrantes.
Ciclo de bondade
Além de não ceder o espaço para os seus clientes, o proprietário se sensibiliza com o clamor do outro lado e passa a oferecer almoços aos sábados tanto para os refugiados quando para as crianças inglesas de baixa renda. A iniciativa fomenta um congraçamento entre nativos e forasteiros e o lugar assume características que se assemelham à de um centro cultural, com música ao vivo e exibição de fotos clicadas pela imigrante Yara. As cenas já trazem elementos da utopia citada acima, uma vez que sírios que em outros momentos não trocam uma palavra sequer em inglês, no almoço tagarelam entusiasmadamente com senhoras britânicas.
Só que esse senso de comunidade que aflora no The Old Oak não agrada os frequentadores mais ressentidos e aí a pressão para cima de TJ vem forte. Por trás da alma caridosa, há um homem cheio de angústias, com questões familiares pesadíssimas e que tem numa cachorra de rua sua única fonte verdadeira de afeto. Esse drama do ser prestativo, atormentado por fantasmas do passado e do presente, mexe demais com o espectador. Lágrimas são esperadas e justificadas.
O lançamento do filme nos cinemas daqui coincidir com o momento de maior tensão no norte da Inglaterra certamente não foi algo programado, mas nos ajuda a perceber o quadro completo. Loach não deixa de mostrar que os cidadãos locais levam uma vida de carestia, com uma juventude que não sonha e um governo que não faz nada de muito relevante para contornar isso. Logo, a raiva que alguns sentem da assistência dada a quem vem de fora está explicada. A fragilidade é geral. Pena que nem todo mundo que tem pouco seja capaz de compartilhar esse pouco com quem nada tem.
- O Último Pub
- 2023
- 114 minutos
- Indicado para maiores de 14 anos
- Em cartaz nos cinemas