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Artes marciais

“Operação Dragão” chega aos 50 anos ressaltando os atributos de Bruce Lee

Bruce Lee é a grande estrela de "Operação Dragão" (Foto: Warner Bros./Divulgação)

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“Quem sabe que maravilhas delicadas morreram no mundo por falta de força para sobreviver?” pergunta Han, o “vilão de história de James Bond” interpretado por Shih Kien em Operação Dragão (1973), disponível para locação via Apple TV+, Prime Video e Google Play. É uma frase qualquer em um filme às vezes brega, com o objetivo de reforçar a obsessão cruel e quase nietzschiana do antagonista pela vitalidade. Mas ela ainda me assombra anos depois, ainda mais à medida em que me informo mais sobre a vasta extensão da história, cheia de contingências, acidentes e infortúnios.

Uma maravilha não tão delicada que resistiu ao teste do tempo é a própria película Operação Dragão. Lançada há 50 anos, a produção de kung fu estrelada por Bruce Lee e dirigida por Robert Clouse mantém um imenso poder de entreter, superando certos elementos datados graças ao poder do carisma e a habilidade de sua estrela Bruce Lee, entre outras coisas.

Operação Dragão parece ter envelhecido consideravelmente, especialmente para alguém que for assistir agora pela primeira vez. Mas isso ocorre porque a maioria dos espectadores modernos vive, até certo ponto, no mundo que o filme criou. A trama por si só foi imitada infinitamente: um vilão poderoso e recluso organiza um torneio de artes marciais em uma ilha secreta, na qual forças díspares esperam se infiltrar para seu próprio ganho pessoal. (Sim, fãs de Mortal Kombat, estou olhando para vocês.) Mas Operação Dragão gerou mais do que essa “vanguardice”. Você já viu uma luta importante acontecendo em uma sala de espelhos? Você já viu um guerreiro sábio sentar-se para meditar quando estava preso em um corredor? Você já viu uma demonstração de habilidade de nunchaku tão impressionante que assusta aqueles que estão prestes a serem vítimas da arma? Caramba, você viu um filme com Jackie Chan? Então você tem de agradecer a Operação Dragão. (Chan aparece em um papel menor e não creditado como um dos muitos capangas de Han que Lee luta para abrir caminho.)

Eu também daria crédito ao filme pela inovação de mostrar herói e do vilão lutando entre si de lados opostos num campo de batalha, se eu não soubesse que isso remonta pelo menos (se não antes) a Paraíso Perdido, poema de John Milton publicado em 1667. Como O Exorcista, de William Friedkin, também lançado em 1973, um espectador moderno poderia achar o filme obsoleto se somente tiver experimentado sua legião de imitadores, paródias e homenagens. Na verdade, Operação Dragão  tornou Bruce Lee tão importante para Quentin Tarantino que ele referenciou o homem e seus filmes constantemente em seu próprio trabalho, até mesmo (controversamente) tendo o arquétipo masculino de Brad Pitt em Era uma Vez em Hollywood vencendo Lee em uma luta como uma maneira de provar o quão verdadeiramente viril ele era.

Corrupção, drogas e tráfico sexual 

Isso não quer dizer que Operação Dragão seja inteiramente sui generis. Há uma influência óbvia de James Bond no vilão (que a certa altura acaricia um gato), no cenário da ilha (com tons de Dr. No) e no teor geral do thriller de espionagem: Han tem as ambições globais de um vilão do filme de Bond interessado em corrupção, drogas e até (numa estranha antecipação de Jeffrey Epstein e sua misteriosa ilha) tráfico sexual. O personagem de Bruce Lee (simplesmente chamado de “Lee”) passa grande parte do filme se esgueirando, fuçando no covil secreto da ilha, fugindo e despachando capangas. No papel do carismático Williams, o habilidoso artista marcial da vida real Jim Kelly é o responsável por injetar alguma energia deliciosa do então nascente – Shaft foi lançado em 1971 – gênero “blaxploitation”, no qual ele passaria boa parte de sua carreira subsequente.

E, claro, Operação Dragão deve algo aos filmes de kung fu que o precederam, especialmente aqueles estrelados pelo próprio Lee. Às vezes, não escapa totalmente de sua marca registrada: sim, há algumas dublagens ruins (inclusive de Han). Embora o fato de todo o filme ter sido filmado sem som, com tudo adicionado após o fato, deva amenizar as críticas a essa falha. Sim, existem certos elementos que também gritam “década de 70” para um espectador moderno. A maioria deles é representada por Roper (John Saxon), um apostador e mulherengo que sempre tive dificuldade para acreditar em suas cenas de luta, mesmo que ele fosse um artista marcial na vida real. Mas a melhor maneira de responder a esses atributos, aos quais se pode adicionar sua trilha implacavelmente cheia de groove – e, em momentos-chave, pesada em sintetizadores – de Lalo Schifrin (mais conhecido como o compositor do tema de Missão: Impossível), é deixá-los tomarem conta de você como uma parte essencial da experiência estética.

Você será ajudado nessa jornada pelo próprio Bruce Lee, que eleva o longa-metragem em dois aspectos essenciais. Um deles é sua busca pelo realismo na ação. A própria habilidade de luta de Lee poderia fazê-lo parecer quase sobre-humano, mas os feitos físicos que ele realiza (quase) inteiramente sozinho no filme são pelo menos viscerais e intrincados o suficiente para permanecerem plausíveis, embora ainda impressionantes. (Os reflexos rápidos de Lee, na verdade, superam a pergunta comum quando se trata desses filmes: por que os capangas só atacam o herói alternadamente? A resposta: ele está se movendo rápido demais!) “Antes de Lee, os filmes de kung fu – que gozavam de popularidade cult nos Estados Unidos, muitas vezes exibidos em cinemas sujos com outra produção – ostentavam uma ginástica chamativa e habilidades sobre-humanas impossíveis”, escreveu recentemente Eric Francisco, na revista Esquire. “Utilizando sua disciplina e filosofia de Jeet Kune Do, amplamente considerado o precursor das modernas artes marciais mistas, Lee se esforçou pelo realismo diante das câmeras enquanto ainda exibia a elegância do kung fu chinês.” Como resultado, “quase todos os principais filmes de ação, de John Wick ao Capitão América, orgulham-se de coreografias igualmente realistas”.

Casca grossa partiu cedo 

E aí tem a aura de Lee. Seu magnetismo cinematográfico esteve presente em trabalhos anteriores, mas em Operação Dragão atinge outro nível. Ele consegue as melhores cenas, tem as melhores falas (“As madeiras não revidam”), mostra raiva crua, determinação de aço – e, em um momento divertido, tédio. Poderíamos até detectar um conservadorismo com c minúsculo na piedade familiar e na devoção cultural que colocou Lee contra Han, cujos capangas mataram a irmã de Lee, e cujo poder surge de um abuso egoísta das técnicas de Shaolin. Desafiando-o, Lee explica seus motivos diretamente: “Você ofendeu minha família e ofendeu o templo Shaolin”. Mas o modo mais comum de Lee é um estoicismo casual combinado com competência letal. O que quer que esteja fazendo, dizendo ou sentindo na tela, ele vende com absoluta confiança, até mesmo os gritos de pássaros que ele emite enquanto luta. Se ele já era uma lenda na época em que Operação Dragão foi lançado, o filme em si fez dele quase um deus do cinema. “Isso pode parecer egoísta, mas acho que é por causa de Bruce Lee que o longa é fenomenal”, disse sua filha Shannon à Esquire. “Ele ainda é eletrizante e consegue pular para fora da tela, além de muito casca grossa. É um filme divertido – e meu pai traz a diversão.” Não há como dizer o que poderia estar reservado para Lee depois dessa película; talvez uma franquia baseada em seu personagem de Operação Dragão.

Infelizmente, nunca saberemos. Lee morreu aos 32 anos, pouco antes do lançamento da produção. Isso, sem dúvida, acrescenta um elemento trágico à sua durabilidade. Vemos Lee no auge de sua fama e poder, mas também sabemos, como ele não sabia, que esse seria seu desfecho. (Jogo da Morte, também em produção na mesma época, foi lançado cinco anos depois.) Mas Operação Dragão não é uma maravilha delicada. Certamente continuará vivo, como filme de kung fu por excelência e como homenagem à grandeza de sua estrela.

© 2023 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.

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