John Singleton tinha apenas 23 anos de idade quando assinou o roteiro e a direção de Os Donos da Rua, filme que o tempo transformou em ícone na luta contra o racismo e na busca pela dignidade da comunidade negra americana (disponível nas plataformas Netflix e Apple TV+). Alçado à categoria de clássico, o filme faz um retrato realista da violência, sem filtros ou discursos retóricos. É bem possível, no entanto, que justamente a imaturidade de Singleton tenha colaborado para uma obra tão profundamente honesta ao apontar o dedo para as próprias feridas. Não por acaso, ele foi o primeiro diretor negro a ser indicado para o Oscar nessa categoria. Aqui, estamos diante de um jovem cineasta que não titubeia na realização daquilo que se convencionou chamar de cinema-denúncia.
E a primeira denúncia surge logo durante os créditos iniciais, quando somos informados de que em cada 21 negros que nascem nos Estados Unidos, um será assassinado. Lembremos que o filme foi lançado em 1991, e mesmo hoje trata-se de uma informação chocante. Mas ela se torna ainda mais perturbadora quando, a seguir, revela-se que o assassinato desse negro acontece pelas mãos de outro negro.
É nesse cenário que mergulhamos na história de Tre Styles (Cuba Gooding Jr.), um garoto inteligente, mas bastante rebelde e de temperamento indomável. Depois de mais uma briga na escola e outra suspensão, a mãe (Angela Bassett), já sem saber como lidar com a situação, decide que chegou o momento de o filho virar um homem de verdade. Assim, Tre vai morar com o pai, Furious Styles (Laurence Fishburne), com quem aprenderá valores éticos e morais, e a controlar sua raiva mesmo num universo violento.
A bússola da correção
A primeira e grande lição, que vai nortear todo o caminho para a evolução de Tre, ocorre assim que ele entra na casa do pai. Há regras a serem seguidas: limpar o jardim, lavar o banheiro e a louça, arrumar a própria cama, etc. Ao ser alertado sobre tantas obrigações diárias, Tre, evidentemente indignado, pergunta o que o pai precisa fazer na casa. Furious então diz: "Eu não tenho de fazer nada... a não ser pagar as contas, colocar comida na mesa e comprar roupas para você se vestir".
Ao longo de sete anos morando com o pai, Tre será confrontado com a dura realidade da vida. Ele tem boas amizades, mas alguns desses amigos fazem escolhas erradas. Para eles, o mundo do crime, das drogas e da violência é o único caminho possível, ainda que a morte os espere a cada esquina. Em diversas oportunidades, Tre é quase seduzido a sucumbir por uma trilha letal, mas o pai sempre está ao seu lado para fazer o papel da bússola da correção. Até mesmo quando Tre é obrigado a se curvar diante de um policial violento (curiosamente, um negro que odeia seu próprio grupo). Nesse ponto, fica um questionamento impertinente: quem são os donos da rua?
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