Conforme vem ganhando fôlego o movimento por uma maior representatividade na cultura pop norte-americana, uma das coisas mais animadoras nele é o modo como este movimento vem se expandindo. Os diálogos sobre as experiências e representação de mulheres e negros vêm ganhando mais nuance e sofisticação, além de estarem se expandindo de modo a incluir os desafios específicos de, por exemplo, atores de ascendência asiática ou mulheres afro-americanas, numa indústria que ainda é tradicionalmente dominada por homens brancos.
E, nesse verão, que foi de um desânimo profundo, eu me senti encorajada particularmente com a forma como vem crescendo o diálogo sobre o modo como Hollywood trata de pessoas com deficiências, um termo que, à sua própria maneira, é tão amplo como categoria quanto o de “people of color” [termo em inglês que abrange qualquer pessoa não-branca, porém sem as conotações pejorativas do que seria sua tradução literal em português, “pessoas de cor”].
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Seja na discussão vigorosa em torno de “Como eu era antes de você”, a adaptação de um livro sobre um jovem com uma lesão na coluna vertebral, sua cuidadora e sua decisão de cometer suicídio, ou na ternura da narrativa de “Procurando Dory”, da Pixar, essas discussões ilustram os limites das convenções narrativas da indústria e a necessidade desesperada de mais papéis para atores com deficiências.
No mínimo do mínimo, já passou da hora de termos pelo menos uma comédia romântica estrelando Peter Dinklage
É claro, porém, que nem todas as histórias e papéis são criados iguais.
Na semana passada, o Hollywood Reporter publicou uma artigo maravilhoso, escrito por Seth Abramovitch, que sondava fundo as experiências das pessoas com a indústria do entretenimento. O artigo, que chegava até as experiências dos atores que trabalharam em “O Mágico de Oz”, é doloroso em sua representação dos sacrifícios feitos nos casos estudados por Abramovitch para conseguirem continuar na indústria.
Tony Cox, anão que estrelou em “Papai Noel às Avessas” e havia trabalhado também em “Esquadrão Resgate”, contou a Abramovitch que o seu primeiro professor de teatro lhe disse que “o único papel que você vai ter na vida vai ser fantasiado”, dando a entender que ele passaria a carreira toda fazendo duendes e “jóqueis de jardim” [um tipo de decoração parecida com gnomos de jardim, mas vestidos de jóqueis.
Muitos costumavam ser caricaturas racistas] (Cox, vale lembrar, é negro). Abramovitch acompanha também a morte de Kimberly Tripp, a “mini-Kim Kardashian” de um cabaré de Hollywood, e os artistas, incluindo Miley Cyrus, que incluíram anões nas suas apresentações.
A melhor coisa que Hollywood poderia fazer para os seus atores e espectadores com deficiências seja começar a contar histórias sobre pessoas que trabalham, viajam, amam e começam famílias e que, por acaso, têm uma deficiência
“Os anões de Hollywood”, Abramovitch escreve, sem floreios, “estão, ao mesmo tempo, endividados com a indústria do entretenimento, que continua sendo seu maior empregador, e escravizados pela visão que ela tem deles, que, em 2016, continua em grande parte sendo a noção de que eles são gente bizarra e carente”.
Conseguir papéis de maior respeito pode significar também ter que interpretar personagens que nem sequer são humanos; Warwick Davis, por exemplo, teve sua estreia como Wicket, o Ewok de “O Retorno de Jedi”, e apareceu como Griphook, um dos goblins memoráveis de J. K. Rowling, na adaptação cinematográfica de “Harry Potter e as Relíquias da Morte”.
“Eu adoraria poder ligar a minha TV e ver uma pessoa com deficiência falando de alguma coisa que as interessasse de verdade ou tendo um papel que não girasse em torno só da sua deficiência”
Quando atores com deficiências, incluindo nanismo, têm de fato a oportunidade de interpretar o papel de versões reconhecivelmente humanas de si mesmos, em vez de acessórios de comédia, muitas vezes isso se dá em histórias que são explicitamente sobre seus corpos. Às vezes, essas histórias tratam como inevitável que pessoas com deficiência escolham cometer suicídio.
Em outras ocasiões, Hollywood sugere que seja um milagre quando pessoas com deficiências conseguem sair da cama, trabalhar e formar fantasias e relações amorosas. Como escrevi neste verão já quando saiu “Procurando Dory”, é bem deprimente o modo como alguns dos personagens com deficiências mais aventureiros e realizados da cultura popular norte-americana sejam peixes 3D.
Ou, como colocou Sophie Morgan, modelo paraplégica e ativista dos direitos dos portadores de deficiência, numa entrevista recente concedida ao Irish Times: “Eu adoraria poder ligar a minha TV e ver uma pessoa com deficiência falando de alguma coisa que as interessasse de verdade ou tendo um papel que não girasse em torno só da sua deficiência”.
Eu defendo muito a especificidade narrativa, sobretudo em roteiros que reconhecem que pessoas não-brancas, LGBT e mulheres e membros de outros grupos sub-representados podem ter experiências diferentes do mundo em comparação com a dos homens brancos heterossexuais que costumam ser o padrão hollywoodiano, e por isso pode ser que sua abordagem a qualquer ocasião que seja, desde namoros até trabalho, se dê de formas novas e diferentes.
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Mas, dado o fato de que as representações de pessoas com deficiência com frequência se prendem à diferença e sugerem que uma experiência diferente do mundo é ou esmagadora ou define absolutamente tudo na sua vida, me parece que a melhor coisa que Hollywood poderia fazer para os seus atores e espectadores com deficiências seja começar a contar histórias sobre pessoas que trabalham, viajam, amam e começam famílias e que, por acaso, têm uma deficiência. No mínimo do mínimo, já passou da hora de termos pelo menos uma comédia romântica estrelando Peter Dinklage.
Falta de representatividade
Como as definições amplas de deficiência incluem ainda doenças mentais e transtornos como demência, o que sugere que quase 1 a cada 5 norte-americanos entram nessa categoria, não há dúvida que pessoas com deficiências sofrem de uma imensa falta de representação na cultura popular dos EUA. E essa falta de representação se dá sobretudo quando se procura histórias em que a deficiência seja só um detalhe incidental no enredo.
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