Agosto começou frio em Curitiba e terminará celebrando os 80 anos de nascimento daquele que se intitulava “o cachorro louco” (como muitos se referem ao mês vigente): Paulo Leminski (1944-1989). A 43ª edição da Semana Literária Sesc & Feira do Livro vai homenageá-lo e, na Pedreira que carrega seu nome, ocorrerá o Festival Paulo Leminski. Em relação à obra, apenas o livro póstumo La Vie en Close ganhou nova edição da Companhia das Letras. Assim, fica a pergunta: qual é a importância do poeta curitibano mais famoso?
A depender da fachada do Edifício Marechal Deodoro, no centro de Curitiba, ela é enorme. Leminski é quase um símbolo da cidade, resquício de uma capital “literária” e provinciana, mas que conseguia alcançar outros lugares – mais quentes – do país. O grosso bigode do “polaco” continua sendo popular, estampado em camisetas, no retrato da parede do bar, ou até na porta do banheiro dele.
Porém, quando analisamos a dimensão da obra, nem tudo é tão claro. Depois do sucesso de Toda Poesia (2013, Companhia das Letras), que reuniu sua produção poética, não houve reedições significativas. Somente a biografia de Toninho Vaz, O Bandido que Sabia Latim (2001, Record), voltou a circular em 2022, depois de nove anos impedida pelos herdeiros, agora pela editora Tordesilhas.
Literatura de vitrine
Além de poeta, Leminski foi tradutor, prosador, redator publicitário, jornalista, judoca e até professor de cursinho pré-vestibular. Todos ofícios que, de alguma forma, tornaram-se materiais para o seu fazer poético. Mas foi mesmo pela poesia das frases curtas, similares a movimentos de luta, que o paranaense ficou célebre.
O “cachorro louco” estreou, em versos, em 1976, com o livro Quarenta Clics em Curitiba. Wagner Schadeck, poeta, ensaísta e professor, além de curitibano, afirma gostar dessa obra em particular. Todavia, defende que o fenômeno “pop” do poeta não reflete o estado da poesia contemporânea. “Leminski passou a ser lido por ser cult” e o personagem se explica pois “ele trabalhou com publicidade e talvez buscasse esse tipo de identidade visual”, diz Schadeck. Em relação ao sucesso de Toda Poesia, releva: “É, antes, um fenômeno relacionado ao panteão da literatura de vitrine”.
Já Alexandre Sugamosto, também curitibano, doutorando em Ciências da Religião pela PUC/MG, especialista em Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa e escritor, define Leminski como “uma figura literária interessante”. Especialmente por saber fazer uma ponte entre a cultura erudita e a linguagem de rua, como o grafite, a piada e o poema satírico. Ressalta, entretanto, que ele “não tem uma obra poética consistente”.
Eternamente jovem
Leminski acaba sendo lembrado pelo amplo uso da paronomásia ou, no português das ruas, o trocadilho (Confira/ tudo que/ respira/ conspira) ou verdadeiros “poemas-piada” (a chuva vem de cima/ correm/ como se viesse atrás). Era também admirador da cultura japonesa, especialmente do haicai, técnica oriental de poemas curtos (abrindo um antigo caderno/ foi que eu descobri/ antigamente eu era eterno). Além disso, foi um letrista destacado, compondo com Arnaldo Antunes, Itamar Assumpção e Caetano Veloso, dentre outros.
Essa habilidade com palavras nunca amadureceu de fato. Talvez tenha sido interrompida precocemente, pois Leminski faleceu aos 44 anos. João Filho, poeta, professor, ensaísta e tradutor, com mestrado em Literatura e Cultura (UFBA) e doutorado em Literatura Portuguesa (USP) diz que “a quase totalidade da obra é feita de trocadilhos linguísticos, poemas quase infantis, jogos bobos entre ideias e imagens”. Leminski tinha cultura para ser um grande poeta, mas não quis ou não conseguiu, lamenta João Filho.
Para além da figura “pop”, sua obra resiste como forma de introdução à poesia para os pouco familiarizados. O best-seller de 2013 já frequentou a lista de leituras obrigatórias para vestibulares, por exemplo. Quem quiser descobrir a “música que se faz com ideias”, definição de Fernando Pessoa, que Leminski cita em La Vie en Close, tem no curitibano do bairro Pilarzinho uma vereda que pode descortinar novos universos.