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Literatura

Paulo Lins: “Todos são imprescindíveis e nenhum é descartável”

Em entrevista, o escritor Paulo Lins, autor de "Cidade de Deus", fala sobre seus hábitos literários, o que lhe dar prazer e causa repulsa na escrita. (Foto: Divulgação)

O carioca Paulo Lins criava versos e os recitava desde criança, ainda antes de ser alfabetizado. Apesar de ter ganhado notoriedade com a publicação do romance Cidade de Deus (1997) — adaptado para o cinema em 2002, com direção de Fernando Meirelles e quatro indicações ao Oscar —, sua estreia se deu com os versos de Sobre o sol (1986). Como roteirista, escreveu episódios da série Cidade dos homens e o roteiro do filme Quase dois irmãos (2004), de Lúcia Murat, que recebeu o prêmio de melhor roteiro da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Lins voltou à prosa de fôlego com Desde que o samba é samba, em 2012, e neste ano lançou Dois amores.

Quando você se deu conta de que queria ser escritor?

É uma coisa que me acompanha desde muito pequeno. Eu falava os poemas que tinha feito e minha irmã Célia os escrevia, pois eu ainda não era alfabetizado. Estão todos guardados com ela ou com Sônia, minha outra irmã. Uma vez pensei até em publicá-los em uma edição para crianças. Seria um livro de criança para criança, mas não tive coragem. Depois, fiz samba de quadra, samba-enredo e músicas para os festivais de escola. Na faculdade, voltei aos poemas e logo parti para a prosa.

Quais são suas manias e obsessões literárias?

Eu gosto de escrever pela manhã, após ler algumas páginas de poesia. Depois, leio um pouco de prosa e aí sim começo a trabalhar. Quando vou escrever roteiro, olho duas ou três cenas de um filme de que gosto. Obsessões, não as tenho. Gosto de reler romances várias vezes, mas acho que todo mundo que escreve faz isso.

Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?

Às vezes um escritor ou uma escritora iniciante me chamam a atenção. Também ouço músicas, não fico necessariamente no livro. Passo parte da manhã ouvindo música ou lendo alguma coisa. Tô sempre com Pessoa, Graciliano, João Cabral por perto. Mas também com Ruffato, Marçal Aquino, Ana Maria Gonçalves e Flávia Helena, Salgado Maranhão, Leusa Araújo, Leandro Esteves, Marcelino Freire.

Se pudesse recomendar um livro ao presidente Jair Bolsonaro, qual seria?

Livro de alfabetização.

Quais são as circunstâncias ideais para escrever?

Preciso estar em paz, sem problema urgente para resolver. Num clima de briga, cara feia, mau humor, não consigo. Preciso estar alimentado, com boa saúde.

Quais são as circunstâncias ideais de leitura?

No meu escritório. Moro num lugar silencioso, com uma bela vista para uma montanha. Às vezes paro a leitura e vou à varanda pensar no que li. Gosto também de caminhar quando estou escrevendo, pois mudo tudo, porque sempre aparecem ideias novas no trajeto. Caminhar é muito bom.

O que considera um dia de trabalho produtivo?

Quando faço o que me propus de manhã e, ao reler no outro dia, acho bom. No romance, sempre releio a página que escrevi no dia anterior. Poesia, estou sempre refazendo; assim como o roteiro. Adoro quando gosto de um texto que escrevi. Tem texto de que não gosto e não consigo melhorar, aí deixo para refazer no final do livro. Mas só publico quando gosto.

O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?

Quando termino. O livro ou o filme editados.

Qual o maior inimigo de um escritor?

O tempo, os problemas do dia a dia, vizinho barulhento, Facebook, WhatsApp, sua esposa cheia de amor para dar, filho querendo brincar, amigos chamado para sair.

O que mais lhe incomoda no meio literário?

São esses humanos que se acham melhores do que os outros. Acho ridículo gente que se acha importante porque é famosa. Também tenho bronca daqueles que se acham injustiçados.

Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.

Mário Faustino.

Um livro imprescindível e um descartável.

Todos são imprescindíveis e nenhum é descartável. Juro que falo a verdade.

Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?

Pressa. Preguiça. Não ouvir a opinião de leitores.

Que assunto nunca entraria em sua literatura?

Terror.

Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?

Da morte de um recém-nascido.

Quando a inspiração não vem...

Andar ou encher a cara.

Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?

José Lins do Rego.

O que é um bom leitor?

O que relê o livro várias vezes.

O que te dá medo?

Violência urbana e policial comigo, meus filhos e todos os negros.

O que te faz feliz?

Simplicidade.

Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?

A dúvida é sempre certeira, a certeza é sempre duvidosa.

Qual a sua maior preocupação ao escrever?

Fazer parecido com os escritores de que eu gosto.

A literatura tem alguma obrigação?

Só com a arte e a verdade filosófica.

Qual o limite da ficção?

Nenhum.

Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?

Roberto Schwarz.

O que você espera da eternidade?

Muito sexo com meu amor [Flávia Helena].

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