Quando saiu “Rogue One”, o mais novo filme de “Star Wars” nos cinemas, Perla Nation insistiu em sair para vê-lo com seu pai, depois das festas. Ele não era de forma alguma fã da saga, nem ela. Mas a jovem de 27 anos de San Diego imaginou que o filme pudesse ter alguma ressonância com seu pai, um paisagista que imigrou para os Estados Unidos de Guadalajara, no México, no começo da década de 1980. Sentados no cinema, pai e filha assistiram enquanto um dos protagonistas, um oficial de inteligência da Aliança Rebelde, chamado capitão Cassian Andor, aparecia na tela. O pai de Nation, Pablo Perez, lhe deu um cutucão assim que ouviu o ator, Diego Luna, abrir a boca.
“Ele tem um sotaque carregado”, Perez comentou com sua filha.
Depois do filme, enquanto voltavam para o carro, Perez se virou para a filha e disse, de novo, “Você percebeu que ele tinha sotaque?”
“Sim, pai”, respondeu Nation, “que nem o seu”.
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Tendo assistido às entrevistas com Luna sobre o seu papel no filme, Nation já sabia que o ator, que é mexicano, manteria o sotaque no filme, segundo ela mesma comentou em entrevista ao Washington Post. Ela logo pensou no seu pai, com seu sotaque mexicano, e o que poderia significar para ele ver a performance de Luna.
Não era só o fato de que havia um mexicano na telona, nem de que o ator tinha um sotaque mexicano, mas que ele tinha um papel inesperado. Não havia nenhum motivo em particular para que Cassian fosse ou não mexicano. Ele simplesmente era. “Qualquer um podia ser aquele personagem”, disse Nation. “Isso era uma parte natural dele, nada mais”.
E para os espectadores mexicanos – e muitos espectadores latinos em geral – isso fez toda a diferença.
Fora do estereótipo
Numa época em que os filmes de Hollywood estão vulneráveis a análises intensas sobre falta de diversidade em papéis principais, a escolha de Diego Luna no elenco marcou um passo crucial adiante. Foi um raro exemplo de uma escolha de elenco em que um ator latino entrou num filme blockbuster não para ser simplesmente um latino gratuito, mas tendo um papel principal sem relações óbvias com a cultura latina. Um estudo publicado em fevereiro da USC Annenberg School for Communication and Journalism descobriu que os latinos estão entre os grupos menos representados em papéis com falas em filmes e séries de TV. Dos mais de 11 mil personagens com falas no cinema e televisão analisados, apenas 5,8% eram hispânicos ou latinos, por mais que os latinos componham 17,4% da população dos EUA.
Enquanto isso, as minorias – sobretudo dos latinos – são o público cuja presença nos cinemas mais tem crescido, resultando em 44% dos frequentadores mais assíduos dos cinemas do país, segundo a Motion Picture Association of America (MPAA).
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Com muita frequência, diz Nation, os latinos recebem papéis coadjuvantes, de vilões ou como donzelas em perigo, caracterizadas como sensuais ou sedutoras. Mas, em “Rogue One”, Luna foi colocado no papel de protagonista, o que, segundo Nation, passou uma mensagem importante, particularmente à luz do papel que os imigrantes vêm tendo na retórica política nos tempos recentes.
“Os mexicanos muitas vezes são vistos como traficantes e estupradores”, disse Nation. “Agora, a gente viu um herói mexicano”.
Os mexicanos muitas vezes são vistos como traficantes e estupradores. Agora, a gente viu um herói mexicano.
Vergonha do sotaque
Quando era mais nova e tinha aulas num escola cujos alunos eram predominantemente brancos, Nation se lembra de ter se sentido frustrada com seus pais por eles não falarem inglês com a mesma clareza que os pais dos seus amigos. Conforme foi crescendo, diz ela, ela começou a entender a dificuldade de aprender uma segunda língua e o quanto ela estava errada em “pensar que essa diferença era um defeito”. Ainda assim, seu pai sempre teve vergonha do seu sotaque e insistia em falar espanhol em casa, mesmo sendo fluente em inglês.
Quando Perez viu Diego Luna falando na telona sem qualquer vergonha do seu sotaque nativo, “dava para ver esse sorriso imenso na cara dele”, disse Nation.
Quando o filme terminou, Perez perguntou à sua filha se ele rendeu bastante dinheiro e se as pessoas gostaram. Ela lhe respondeu que o filme teve já a maior bilheteria de 2016, mesmo tendo estado em cartaz por apenas 18 dias do ano, e que havia recebido resenhas excelentes. Então ele perguntou para ela por que foi que Diego Luna não tentou suavizar o sotaque.
“Eu lhe disse que Diego falava abertamente sobre manter o sotaque e do que orgulho que ele tem dele”, disse Nation.
Seu pai ficou quieto por uns minutos, e então comentou: “E ele era um dos personagens principais”.
“Sim”, respondeu Nation. Enquanto voltavam para casa, Perez comentou sobre outros atores mexicanos que ela achava que deviam aparecer em filmes americanos.
Representatividade importa
Comovida pela reação do seu pai ao filme, Nation decidiu escrever sobre isso no seu blog no Tumblr. “A representatividade importa”, ela comentou no fim da postagem.
Sua história rapidamente se espalhou nas redes sociais, e no dia seguinte até mesmo o próprio Diego Luna fez um tweet sobre a postagem, dizendo “Fiquei comovido lendo isto!”
Ela recebeu uma enxurrada de mensagens de outros latinos dizendo que agora eles tinham planos de levar os seus pais também para ir ver o filme. “Minha mãe tem sotaque e mora na América há 25 anos”, comentou alguém no seu blog. “Às vezes a gente brinca com ela com o jeito que ela pronuncia as coisas, mas isso me fez ver que ela não está sozinha e também a passar a apreciar melhor seu lindo sotaque. Nossos pais vieram para cá para nos dar uma vida melhor, junto com sua cultura, e é incrível que isso esteja sendo permitido no mainstream e normalizado porque, de fato, é normal”.
“Para todos nós que temos sotaque ao falar inglês, obrigado e parabéns”, disse um usuário do Twitter a Diego Luna. Quando Nation disse a seu pai que Diego Luna havia compartilhado sua postagem de blog no Twitter, ela gravou sua reação em vídeo. Ele disse que estava “extraordinariamente feliz”.
“Eu fiquei maravilhado por ele ter mantido o sotaque latino no filme”, disse Perez. “E é aparente que ele é um artista extraordinário”.
“É um momento fortalecedor para os latinos”, disse Nation, que estuda paz e conflito na University of California, em Berkeley. “Quando você vê gente que nem você, podia ser você na tela”.
Ela notou até mesmo uma mudança no seu pai. Outro dai, Nation ficou surpresa de ouvi-lo preferir falar com ela em inglês. “Ele ficou mais confiante com seu modo de falar”, ela disse. “Espero que outras pessoas se sintam que nem ele”.