Os franceses Antoine e Olga batem de frente com moradores de uma vila na Galícia em “As Bestas”| Foto: Divulgação Mubi
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Antoine é um professor francês que rodou pelo mundo e escolheu mudar de vida após conhecer um vilarejo na Galícia, Espanha. Ao lado da esposa Olga, começou a plantar tomates de forma orgânica e a recuperar casas abandonadas por conta própria, na esperança de repovoar aquela área rural. Em determinados cenários, Antoine seria visto como uma inspiração para os moradores da região, um benfeitor abnegado dando sua contribuição para a melhoria da sociedade. Não é o que acontece em As Bestas, filme do espanhol Rodrigo Sorogoyen que papou os principais prêmios Goya em 2023 e está disponível na plataforma Mubi.

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Nesse “thriller camponês”, o casal francês não conta com a simpatia de uma parte dos vizinhos. A pinimba vem principalmente do fato de Antoine ter se oposto à instalação de captadores de energia eólica no vilarejo. Mais: ele convenceu outros residentes de que a novidade destruiria a região, ainda que, num primeiro momento, todos se beneficiassem das indenizações pagas pela empresa interessada no negócio. A ação de Antoine desagrada especialmente aos irmãos Xan e Lorenzo, que moram com a mãe (Anta), e acreditam que a grana oferecida aliviaria a dor de existências miseráveis.

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A primeira parte de As Bestas explora com muita intensidade essa rivalidade entre o lúcido francês e os desesperados galegos. Xan e Lorenzo usam de vários artifícios para demonstrar descontentamento, desde interações xenofóbicas com o professor até a sabotagem da plantação de tomates dele. O espectador sente a todo instante que o confronto vai descambar para a violência física. Antoine passa até a registrar com uma câmera de vídeo escondida na blusa as intimidações sofridas quando sente que o caldo está prestes a entornar.

Diálogo galego

Um dos grandes baratos de As Bestas é reparar em como as ações de cada campo não são compreendidas pelo outro. Para Xan e Lorenzo, Antoine não passa de um forasteiro arrogante com pretensões de colonizador que resolveu “brincar de fazendinha” quando se cansou da vida pregressa. Até o fato dele ter uma esposa incomoda os irmãos brutos, que acham impossível engatar relacionamentos afetivos com o fedor que exalam pela lida cotidiana com a terra e os animais. Já Antoine se esforça para defender seus ideais, inclusive tendo de se expressar em galego, e até consegue fazer boas amizades no seu entorno. Mas o diálogo com a parte mais rústica do vilarejo simplesmente não evolui.

O casal francês tem uma filha formada (Marie), uma mãe solo que acaba entrando na história quando o filme avança. Nesse momento, As Bestas abre a porta para uma conversa franca entre mãe e filha sobre o que é amar alguém e sobre não esmorecer diante de uma clara injustiça. É como se a energia masculina que conduz a maior parte do longa fosse substituída por um entendimento mais feminino da vida. Essa mudança de protagonismo contribui sobremaneira para o êxito do filme, confirmando a singularidade do que é relatado na tela.

Todos os pontos de tensão reunidos pelo cineasta espanhol são sonorizados por uma trilha minimalista, que amplia a angústia de quem se envolve com As Bestas. Mesmo se tratando de um embate rural, o filme está repleto de debates sofisticados, sobre temas que afligem e podem definir o futuro da humanidade. O custo da sustentabilidade, a dificuldade de comunicação entre pessoas de realidades diferentes, a intolerância com o estrangeiro, a fragilidade das famílias modernas... Está tudo condensado nos 137 minutos dessa impactante obra cinematográfica.