Você sabe por que as coisas acabam em pizza? Por que o plural de gol é gols? Ou até por que chamamos as lojas de livros usados de sebos?| Foto: /Divulgação

Para investigar as particularidades da língua, o jornalista e escritor Sérgio Rodrigues escreveu o “Viva a Língua Brasileira - Uma viagem amorosa, sem caretice e sem vale-tudo, pelo sexto idioma mais falado do mundo - o seu”, um guia bem humorado para esclarecer as dúvidas de sempre e mostrar a riqueza de uma língua falada no país há 500 anos.

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Cerca de 80% dos 250 milhões de falantes nativos da língua são brasileiros - o português brasileiro é, portanto, a variedade mais falada da língua hoje. O português figura também o topo de outra lista - é a terceira língua mais usada em redes sociais. Nada mais justo do que começar a colocar os pingos nos is.

Rodrigues escreve colunas em jornais ou na internet sobre o uso da língua - chegou até a ter um consultório linguístico, em que respondia diariamente dúvidas gramaticais dos leitores. Durante os últimos anos, não aprofundou somente seu conhecimento formal da língua - para o qual gramáticas e dicionários foram essenciais - mas também viu que uma língua não se faz apenas de normas.

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Como já defende no subtítulo do livro, Rodrigues busca um equilíbrio entre os dois extremos do debate sobre línguas - de um lado, os que defendem a gramática normativa e o bom uso; do outro, os que defendem a soberania do falante, menosprezando qualquer uso mais formal. Para o autor, a língua real está entre as duas posições: os falantes devem entender quando um registro formal é necessário, mas também têm liberdade para fazer várias escolhas na hora de falar. Nem sempre é uma questão de “certo x errado”.

No livro, Rodrigues responde dúvidas sobre escrita e fala, apresenta histórias sobre a origem das palavras e expressões, fala sobre estrangeirismos, gênero na língua e até sobre gírias. Verbetes como “‘Porque’ ou ‘por que’? Uma armadilha bem brasileira” mostram soluções para dilemas gramaticais reais, mas verbetes como “Americano, norte-americano ou estadunidense?” apresentam as implicações de cada termo e deixam a solução para o leitor.

Chegado ou chego?

A única forma admitida pela norma culta é chegado. Chego, porém, foi documentado por linguistas em várias regiões do país, uma criação que segue a mesma lógica de outros particípios da língua (como gasto ou aceito). “Não é improvável que, com o tempo, algumas dessas formas emergentes acabem encontrando abrigo na língua culta”, escreve Rodrigues.

Presidente ou presidenta?

“Não está errado usar presidenta como feminino de presidente, assim como não está errado tomar presidente como palavra de dois gêneros, invariável”, escreve o autor. Por um lado, formações correlatas como assistente e dependente não sofrem a flexão de gênero. Por outro lado, a sociedade ainda não tinha visto uma mulher ocupar o cargo antes de Dilma Rousseff. “No fim das contas, cabe ao falante julgar os méritos de cada palavra e fazer sua escolha - exatamente como na política”.

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Bizarro

A palavra já existia no Brasil desde o século 16, mas antes tinha o significado de algo “garboso, fogoso, valente, elegante ou nobre”. Na França, porém, a palavra bizarre significava “extravagante, singular” e foi exportada para o inglês e, eventualmente, para o Brasil. “O expressivo adjetivo bizarro passa por uma onda de revalorização no português brasileiro, provavelmente impulsionado pelas notícias bizarras. É uma palavra divertida que está na boca dos jovens, o que deve lhe garantir vida longa”, diz Rodrigues. Ainda assim, alguns puristas abominam esse novo significado, defendendo o significado da palavra do século no século 16. Segue a conclusão do jornalista: “os puristas perderam a batalha porque o movimento da história estava contra eles. Na dinâmica das línguas vivas, o tempo é seu maior inimigo”.

Trollar

“O substantivo troll e o verbo trollar ocupam hoje, em português, aquela terra de ninguém em que neologismos, estrangeirismos e termos de gíria em geral podem ser ao mesmo tempo negados e afirmados cotidianamente pelos usuários”. Com a internet, a adoção de modismos se acelerou, mas muitos deles não duram muito tempo. Trollar e troll, porém, apesar das grafias estranhas para a nossa língua, já estão na língua desde os anos 1990 e caracterizam um comportamento encrenqueiro no meio digital.

Acabar em pizza

A expressão, usada normalmente em relação à impunidade no Brasil, é uma das poucas com dia de nascimento. Seu uso era frequente pelo radialista paulistano Milton Peruzzi, mas se concretizou no uso político em 1992: “foi quando uma secretária chamada Sandra Fernandes de Oliveira depôs na CPI que investigava as atividades do tesoureiro de Collor, PC Farias. (...) ‘Se isso realmente acabar em pizza, como querem alguns, acho que é o fim do meu país’, disse a secretária no microfone da CPI. Usavam uma expressão familiar”, conta Rodrigues. O eco da expressão ressoa até hoje.