Solos de guitarra emocionantes, grandes performances vocais e momentos sublimes. Tudo isso não faz parte de The Dark Side of The Moon. Pelo menos, não da nova versão lançada pelo baixista Roger Waters, membro fundador do Pink Floyd. A ideia de regravar o disco mais famoso da banda de rock progressivo soou esquisita desde seu anúncio, rendendo uma justa indicação ao hall de “burradas” do britânico de 80 anos. Agora, com o “novo” álbum e o veredito da crítica especializada em mãos, é possível afirmar: ele errou feio.
“Waters está aproveitando a oportunidade para reescrever a história, enquadrando-se como a única força criativa por trás do The Dark Side of the Moon original e usando o Redux [forma como a nova versão foi nomeada] de maneira indulgente para fazê-lo”, diz um texto nada elogioso da Consequence, publicação especializada em música. A justificativa do músico para macular a obra até poderia convencer em um primeiro momento, com ele afirmando que o disco sempre pareceu ser “o lamento de um velho sobre a condição humana”. Mas o lamento desse velho Waters só serve como desserviço aos fãs da banda.
Em entrevistas ao longo dos anos, o baixista demonstrou rancor contra outros membros do grupo, mais especificamente com o guitarrista e cantor David Gilmour e o pianista Richard Wright. “Gilmour e Rick? Eles não sabem escrever músicas”, delirou Waters em uma entrevista ao jornal The Telegraph no começo deste ano. “Eles não têm nada a dizer. Eles não são artistas! Eles não têm ideias, nem uma única entre eles. Eles nunca tiveram, e isso os deixa loucos.”
Aos ex-amigos, a borracha
Além de expor toda sua arrogância e inveja, as falas do octogenário ajudam a deturpar o legado de todos da banda. Us and Them, uma das músicas mais belas do disco de 1973 e arruinada na versão Redux, nasceu como uma peça de piano composta por Wright durante o período de gravação para a trilha sonora de um filme. Ou seja, o pianista que “não tem nada a dizer nem ideias” foi basilar na criação de uma das faixas mais memoráveis dos trinta anos em que o conjunto esteve na ativa. Uma prova ainda mais forte de seu valor como compositor está em Wet Dream, disco solo de Wright que voltou ao streaming neste ano e traz muito do DNA do Pink Floyd. Um mergulho nesse trabalho vale muito mais do que qualquer obra solo de Waters, que sempre tentou replicar o que ele fez no Dark Side ou até em The Wall.
Também atacado, o trabalho de Gilmour com as seis cordas é outro dos elementos que mais fazem falta na saga autoindulgente de Waters. Em Time, uma das composições mais reflexivas do Dark Side, o solo de guitarra foi trocado por um novo trecho de letra escrito por Waters, que tenta se aproximar do estilo spoken word do mestre Leonard Cohen e falha miseravelmente.
Palestrinhas redundantes
“Essas passagens faladas fazem você perceber o quanto o álbum original não tinha palavras. Havia o tique-taque do relógio em Time, as vocalizações em The Great Gig in the Sky e o solo de saxofone em Money. Elas também mostram como, às vezes, você pode dizer muito mais sem usar nenhuma palavra”, define brilhantemente a crítica publicada pela revista Paste.
Como bem colocou outro respeitado site especializado em música, o AllMusic, a versão Redux "não oferece falas ininterruptas, mas coloca sua ênfase firmemente nas palavras”. O problema disso é que as boas letras sempre estiveram lá para o ouvinte mais atento, de modo que a decisão de colocar os poemas de Waters em um primeiro plano acaba revelando uma dúvida do próprio sobre a inteligência de seus fãs.
Já as adições "poéticas”, como em The Great Gig in the Sky, não servem para nada. Neste caso, apenas substituindo a potente e icônica performance vocal da cantora Clare Torry pela leitura de uma carta em tom sepulcral, escrita por Waters à assistente do poeta Donald Hall, falecido em 2018. Se existem bons momentos em The Dark Side of the Moon Redux, pode acreditar que eles somente estão nesse disco graças à força atemporal do trabalho original lançado pelo Pink Floyd, em 1973. Mudanças etéreas entre acordes e letras reflexivas sobre vida, morte e loucura, que fazem parte de ambos os trabalhos, não foram frutos apenas da mente fértil como esterco de Waters, mas sim da magia que existia entre ele, Gilmour, Wright e o baterista Nick Mason meio século atrás.
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