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Indígenas, prospectores de petróleo, agentes do FBI, maçons e até membros da Ku Klux Klan. É difícil imaginar todos esses grupos coexistindo em um mesmo lugar, mas é exatamente o que acontece em Assassinos da Lua das Flores, o novo longa-metragem do diretor Martin Scorsese, mente por trás de Os Bons Companheiros e Taxi Driver, só para citar dois de seus clássicos. O cineasta americano conseguiu transformar o texto sisudo do livro de mesmo nome em uma obra que tem tudo a ver com sua missão atual: uma cruzada em favor do cinema como arte.
"Conteúdo é algo que você consome e joga fora", definiu o cineasta em uma entrevista recente, irritado com o atual momento que a indústria cinematográfica vive, muito movimentada por remakes, reboots e heróis de quadrinhos. Ele é muito vocal com sua frustração causada por franquias do tipo Marvel. “Haverá gerações que pensarão que aqueles são os únicos tipos de filmes que existem”, aponta. Em seu novo trabalho, o diretor foge dessa tendência e adapta um universo riquíssimo baseado na história real de seu próprio país. O resultado é uma obra visualmente impactante e recheada de atuações de alto nível.
Assassinos da Lua das Flores, que estreia em 19 de outubro nos cinemas e na sequência irá para o catálogo do Apple TV+, acompanha a vida dos indígenas da tribo Osage. Após viverem anos em uma terra sem valor, eles acabam encontrando petróleo e conseguem impulsionar sua sociedade ao século XX. Mesmo com medo de perder traços culturais, o povo enriquece por meio de uma concessão ao governo americano. O dinheiro que começa a entrar na vida dos Osage atrai um bando de abutres, dentre eles os protagonistas Bill Hale e Ernest Burkhart, interpretados pelos astros Robert De Niro e Leonardo DiCaprio, respectivamente.
Com esse cenário posto, que se passa ao longo das décadas de 1910, 1920 e 1930, Scorsese poderia muito bem ter aderido à uma simples narrativa de "nós contra eles". No entanto, ele não teme em mostrar a complexidade dos fatos, principalmente por meio da dualidade de Burkhart. Atraído para a região pela oportunidade de fazer uma fortuna após voltar da guerra, o personagem de DiCaprio acaba se apaixonando por Mollie, descendente da tribo que comanda as terras. Ela é encarnada por Lily Gladstone, atriz que não é difícil de imaginar andando pelo carpete vermelho do Oscar em 2024 – ao menos é o que sua interpretação indica.
Longa despedida
A primeira das três horas e meia do filme revela como Burkhart se aproxima da nativa e sua cultura. Também o retrata cada vez mais distante de sua paixão. Manipulado pelo tio, o tal do Bill Hale (que prefere ser chamado de "Rei"), o homem vivido por DiCaprio vai se tornando cada vez mais corrupto. Isso culmina num conflito interno que rende uma ótima cena de redenção mais à frente – perfeita para DiCaprio e De Niro brilharem.
Em seguida, a película avança se aprofundando nos assassinos que dão nome ao trabalho. Diversos membros da família de Mollie são mortos e a tensão aumenta cada vez mais em sua casa, o que motiva uma grande investigação de uma versão recém-nascida do FBI, ainda tentando impor sua autoridade ao povo americano.
É aqui que vale dizer: a longa duração do filme é importantíssima, pois permite aprofundamento, levando o espectador a lugares inimagináveis. Reviravoltas não faltam na obra inédita de Scorsese e justificam ainda mais o tempo investido pelo espectador, como quando ele lançou O Irlandês (3 horas e 29 minutos), em 2019. Seria um equívoco diluir a obra impactante em uma minissérie, como alguns internautas já sugeriram quando seu filme anterior estreou na Netflix.
Com essa imersão na riqueza da cultura americana, Scorsese ressalta sua nobre missão acenando aos primórdios da sétima arte, que defende com amor. Em uma conversa com o site Deadline, ele refletiu sobre seu atual momento de vida e revelou que esse deve ser um de seus últimos trabalhos, talvez o derradeiro. “Estou velho. Sou bem-informado e vejo coisas. Quero contar histórias, mas não há mais tempo”, cravou. Caso Assassinos da Lua das Flores acabe sendo sua última obra, ela seria uma despedida triunfante de um dos diretores mais icônicos do cinema ocidental.