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Escritor Sérgio Sant’Anna morre aos 78 anos, vítima da Covid-19

Escritor Sérgio Sant"Anna morreu aos 78 anos no Rio de Janeiro (Foto: Divulgação)

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O escritor Sérgio Sant'Anna morreu neste domingo (10), aos 78 anos, vítima da Covid-19. Ele estava internado no Hospital Quinta D'Or, na zona norte do Rio de Janeiro, há uma semana.

A informação foi confirmada pela irmã do escritor, Sonia Sant'Anna, através de uma publicação no Facebook. Sérgio deixa dois filhos, os escritores Ivan e André Sant'Anna.

Mestre do conto

No país do conto, desbravado por Rubem Fonseca e Dalton Trevisan, o ambiente urbano viu outro escritor do mesmo calibre consolidar a obra mais sensual que a literatura brasileira já teve notícia. Sérgio Sant'Anna foi talvez o pós-modernista brasileiro mais importante da nossa literatura, unindo sabedoria com um profundo interesse nas letras, ao mesmo tempo em que nutria um ceticismo sobre qualquer papel idealizado da literatura na nossa sociedade. Essa visão influenciou mais de uma geração de escritores.

Sua tendência à experimentação formal é facilmente detectada no trânsito que sua obra mantinha com diversos gêneros, embora ele mesmo reconhecesse no conto o seu métier principal. "Me dou melhor com formas mais breves", disse o escritor num encontro com leitores em Curitiba, há 10 anos. "Tenho muito mais tendência à narrativa curta do que ao romance. No romance, existe uma vocação. Tem gente que é romancista quase que nato. Tem gente que cria, que puxa aqueles fios da meada, por exemplo, a saga de uma família inteira, que encontra personagens secundários desenvolvidos. Comigo é o contrário, tenho uma tendência à concentração. Inclusive, tem uma coisa que eu sei explicar: o conto me permite experimentar mais. Eu gosto de ser lido - não é experimentação no sentido de tornar o livro absolutamente ilegível. É experimentação no sentido de procurar formas novas para cada livro."

Mais recentemente, porém, ele demonstrava inquietação com a definição "conto", preferindo em seu lugar a palavra "narrativas".

Comemoração dos 50 anos de trajetória literária

Em outubro de 2019, Sérgio Sant'Anna celebrou 50 anos de trajetória literária. Como parte das comemorações, a editora Companhia das Letras reeditou "Amazona", novela de 1986, que lhe rendeu o primeiro dos três prêmios Jabuti que recebeu e que estava esgotada havia muitos anos.

Na época, Sant'Anna foi entrevistado pelo jornal Rascunho, em reportagem publicada também pela Gazeta do Povo. Na conversa, o escritor falou sobre o que classificou como "cerceamento às artes no Brasil" dos dias de hoje. "Temos de resistir com todas as forças a isso", declarou.

Em 2018, como um dos principais convidados da Festa Literária Internacional de Paraty, lamentou o fato de as pessoas estarem na rua pedindo a volta da ditadura militar. "Fico chateado com gente pedindo a volta da ditadura. A maior parte das pessoas que estão aí pedindo não viveram aquilo. Foi barra muito pesada. O que se vive no Brasil hoje perto daquilo não é nada. Embora haja muita coisa condenável, naquela época era uma impotência total. Os jornais eram censurados. Quem advoga ditadura, se for com honestidade, está cometendo um tremendo equívoco", disse o autor para palmas do público, na ocasião.

Mais recentemente, Sérgio Sant'Anna publicava diariamente na sua página no Facebook opiniões incisivas sobre o estado político do Brasil e lamentava a perda de amigos e colegas, como Rubem Fonseca.

Carreira

Sant'Anna começou na literatura em 1967. Inscreveu um conto num concurso para alunos da Faculdade de Direito da UFMG, onde estudava, e ficou em segundo lugar, recebendo elogios da comissão julgadora, liderada por Murilo Rubião (o primeiro lugar ficou com Humberto Werneck, seu amigo e primo em segundo grau). Ele passou a publicar na revista Estória, editada por Luiz Gonzaga Vieira, e também no Suplemento Literário de Minas Gerais, conduzido pelo próprio Rubião.

Começou em livro com os contos de Sobrevivente, em 1969 (nascido no contexto da ditadura militar, ferida histórica que seus livros nunca perderam de vista, sem, porém, nenhuma derivação moralizante), que ele mais tarde renegou. Ao longo das décadas, dezenas de títulos aclamados ajudaram a consolidar sua obra no panteão da literatura brasileira, como O Concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro (1983), A Tragédia Brasileira (1984), O Monstro (1994), Voo da Madrugada (2003), O Livro de Praga (2011) e Anjo Noturno (2017), seu último livro publicado.

Quando questionado qual era o seu livro preferido (no podcast da Companhia das Letras, a editora de seus livros, que comemorou os seus 50 anos na literatura, em 2019), Sérgio Sant'Anna respondeu sem pensar muito: era A Tragédia Brasileira (1987). "Eu contei uma história muito cheia de acidentes de percurso, há várias linguagens mas ao mesmo tempo é uma história que me seduz muito, a história de uma mocinha atropelada no Rio de Janeiro. Por várias circunstâncias que estão no texto, ela é considerada uma virgem santa. A partir daí pego toda uma religiosidade, o cemitério... Ela morre, mas fica com o corpo tão intacto que vira uma morta muito bonita. Por uma estranha coincidência, escrevi esse livro ao mesmo tempo em que o Amazona, um livro de ação, passado num Brasil moderno, a Dionísia é uma amazona que vai ascendendo ao poder. Por uma razão muito simples: eu cansava de um e pegava o outro."

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