Em ano em que houve uma briga considerável pela decisão do filme que representaria o Brasil na corrida pelo Oscar, o cinema nacional segue repetindo fórmulas que irritam desde o trailer.
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Comédias românticas sem graça, longas obcecados pelo humor caricato e pela falta de ética nos valores e nas relações humanas e, crime cinematográfico mais grave, a total falta de inovação, passaram pelas salas de cinema brasileiras neste ano.
Veja sete títulos que se enquadram nesses problemas, visíveis desde os trailers. Um deles, inclusive, avaliado pela comissão do MinC na candidatura ao Oscar. Outro, ainda por estrear.
“Vai que Dá Certo 2”
O primeiro filme acabou por se destacar entre as comédias brasileiras lançadas em 2013, mesmo sem grande apelo além do relativo bom entrosamento de seu elenco principal, que conta com o onipresente Fábio Porchat, Danton Mello, Felipe Abib e Lúcio Mauro Filho. Na segunda tentativa, a premissa já ralinha torna-se ainda menos convincente como longa-metragem. O humor perde um tanto de espaço para uma tentativa de ação policial.
Se no primeiro filme o dinheiro fácil viria por um assalto, agora os amigos tentam ganhar uma graninha extra extorquindo um casal que gravou uma sextape. Enfadonho e preguiçoso.
“Um Suburbano Sortudo”
Rodrigo Sant’Anna foi uma das estrelas dos tempos de Maurício Sherman à frente do “Zorra Total”, em que os esquetes tinham personagens fixos, criados pelos próprios atores. Ele é especialista em desenvolver tipos da periferia. E é basicamente isso que ele faz neste filme. Além de Denilson, camelô que descobre que o pai biológico é milionário, ele interpreta diversos personagens secundários. Tenta fazer, portanto, o que Eddie Murphy fez em “Um Príncipe em Nova York” (com sucesso) e “Norbit” (uma retumbante caricatura, vergonhosa de assistir). Adivinha em qual categoria o brasileiro se inclui?
Para situar o filme, é importante saber que tem assinatura de Roberto Santucci. O carioca é parceiro frequente de Leandro Hassum (fizeram juntos três “Até que a Sorte Nos Separe” e “O Candidato Honesto”) e Ingrid Guimarães (além da franquia “De Pernas pro Ar”, Santucci a dirigiu em “Loucas pra Casar”).
O Último Virgem
A previsão de estreia é dezembro e, a julgar apenas pelo trailer, a trama dirigida por Rilson Baco e Felipe Bretas cheira a uma mistura suspeitíssima de tudo que já se falou sobre adolescência, mas com referências datadas. Quem foi criança ou adolescente nos anos 1990 pode até se lembrar do filme “Uma Escola Atrapalhada”. Sim, esse mesmo, que reuniu Angélica e Supla de mocinhos, Selton Mello no papel de vilão e, como coadjuvantes, os meninos do grupo Polegar (lembra deles?).
O elenco é composto por muitos ex-Malhação: a começar pelo protagonista, Guilherme Prates. Márcio Kieling, que vive um delegado, Fiorella Mattheis, uma professora sedutora, e Bia Arantes também já atuaram na novelinha. E a história se assemelha a uma trama sobre virgindade que não poderia ser exibida no fim da tarde. Ou seja: “American Pie”.
Mulheres no Poder
A trilha sonora que insinua o som dos metais no início do trailer deixa claro: trata-se de uma trama sobre maracutaia. O tal de ficar rico a qualquer custo ganha aqui dimensões políticas e femininas. Ao contrário de tramas anteriores sobre corrupção, como “Caixa Dois”, adaptação da peça teatral de Juca de Oliveira, as mulheres não são articuladoras ocultas nos esquemas de enriquecimento ilícito. Não são também secretárias ou amantes de políticos. Elas protagonizam o lado sórdido do poder, sem dever em nada para os colegas homens na vida real.
É que a sátira de Gustavo Acioli trocou os papéis. As mulheres têm presença majoritária nos cargos públicos enquanto os homens são meros assessores. Mas o ponto de partida inteligente, que pretendia expor absurdos nessa inversão, se perdeu aos clichês que discutem gênero. O resultado é entediante e frustrante.
Um Namorado para Minha Mulher
Um filme argentino que já não primava pela qualidade foi a base para o longa de Júlia Rezende que se apoia no timing de comédia de Ingrid Guimarães. A performance da atriz, inclusive, está aprovadíssima pelo público, que confere em peso as comédias românticas que a atriz protagoniza. Neste, ela faz uma mulher insatisfeita, que inferniza o marido, vivido por Caco Ciocler. O pusilânime parceiro não tem coragem de se separar e arranja um homem para seduzir a mulher de maneira que ela mesma resolva deixá-lo. A tarefa do namorado coube ao personagem de Domingos Montagner, em uma das três produções a que se dedicou neste ano.
Só que a trama não anima e não se diferencia em nada do que Ingrid já fez nas telonas ou em seus tempos de dobradinha com Heloisa Perissé. Mais do mesmo.
Tô Ryca
Samantha Schmütz também surgiu no “Zorra Total” e, assim como o colega Rodrigo Sant’Anna, brilhou com personagens escritos por ela mesma. Seguindo caminho semelhante ao colega, trabalhou na TV fechada (na série “Vai que Cola”, protagonizada por Paulo Gustavo), voltou a testar a temperatura da popularidade na TV aberta (em um dos núcleos de humor de “Totalmente Demais”) e, agora, como se fosse uma espécie de graduação, ganha o próprio filme (outra coincidência com o filme de Sant’Anna: Samantha interpreta mais de um personagem).
O roteiro manco de “Tô Ryca” se baseia na comédia que estereotipa o subúrbio da mesma maneira há décadas. Se tanta caricatura já é cansativa na televisão, imagina em som e imagem de cinema?
Uma Loucura de Mulher
Marcus Ligocki Júnior, o diretor, tinha a faca e o queijo na mão para fazer uma comédia romântica que avançaria um pouco na questão do machismo, da corrupção, da política... Patinou, mesmo tendo à disposição uma protagonista talentosa (Mariana Ximenes) e elenco de apoio especialmente carismático (Sérgio Guizé, Guida Vianna e Miele, morto no ano passado, em seu último papel no cinema). O problema está no roteiro sem muita imaginação, nas repetições sem fim, até mesmo nas escolhas de elenco. Bruno Garcia, que interpreta o marido de Mariana, e Miá Mello, a melhor amiga, têm a imagem marcada por seus papéis em produções como “De Pernas pro Ar” e “Meu Passado Me Condena”, respectivamente. Com uma trama batida como a do filme de Ligocki, a impressão é que se está assistindo ao mesmo filme. A comédia foi um dos títulos avaliados pela comissão do Ministério da Cultura como candidato a representante brasileiro no Oscar.